TRIPLO BEIJO / NOSTALGIAS / EM CASA DE HABACUQUE / LAGARTAS PERMANENTES

TRIPLO BEIJO I (13 fev 11)

Ela se assenta contra as ripas de uma cerca:

madeira negra, pintada a óleo queimado,

com uma trama à direita, outra do lado,

ereta e firme contra o vento que se acerca.

Para a frente os dois ombros projetados,

pretendendo ter no tronco mais largura.

De fato, é deformante essa postura,

pois femininos não são os resultados...

Em seu sutiã, no rubro do estampado,

contra o tecido branco, duas bocas:

lábios vermelhos, sugerindo beijos...

Mas atraente mesmo é o beijo salientado

por uma nesga de sol, carícias loucas,

nestas três bocas a provocar desejo...

TRIPLO BEIJO II

Seus cabelos se agitam ao pampeano,

nos tons castanhos da meridional,

a carnação em nuance natural,

que o sol do sul não queima desumano,

salvo a essas tontas que tiram todo o pano

que as poderia proteger. E o sal,

e o vento e o Sol, todo o seu mal,

permitem contra a pele, em ato insano.

Por essa moda de insensato bronzeamento,

deixando marcas e sardas pela pele,

que se resseca em envelhecimento...

Mas não é caso. A dama do retrato

promete beijos com que a boca me sele,

porém preserva a carne em seu recato.

TRIPLO BEIJO III

As coxas até os joelhos recobertas,

por um tecido branco e perfurado,

porém com discrição e até cuidado,

só a cintura e o umbigo descobertos.

O capim está castanho. Semiabertos

os dedos de suas mãos. É o mar mostrado,

por essa cerca protetora separado:

não existe praia aqui; rochas abertas

despencam-se nas águas esverdeadas;

e ela se assenta aqui, qual sentinela:

o rosto sério e sem sorrir, vigia

contra o descaso de pessoas descuidadas.

Mas as três bocas sugerem beijos dela,

como as armas verdadeiras que possuía.

NOSTALGIAS I (11 FEV 11)

Vejo outra foto do jardim, sem ter

muito grande diferença com o de agora:

deste lado, nada foi mandado embora,

só uma que outra teve de morrer...

Porque a Natureza a quis perder,

simplesmente murchou, chegada a hora:

a maioria se acha igual a esse outrora,

folhas viçosas e flores a crescer...

Há vários anos, penso em procurar,

na enciclopédia, os nomes dos florais,

que aqui se expandem alegres para o Sol.

Mas vou adiando, por preguiça ou apressar,

e vejo apenas como crescem mais,

sem que as precise chamar pelo seu rol...

NOSTALGIAS II

Este jardim fica oculto entre paredes

e o Sol desponta diante de minha casa;

pela manhã, só luz difusa embasa

todo o viveiro dessas verdes redes...

No sol a pino, em que o calor não medes,

são protegidas por largura rasa

e nem o vento o crescimento atrasa

da formosura das flores que assim vedes.

Durante a tarde, desce do terraço

essa cortina diagonal, que albarda,

com seus arreios de ouro, este jardim...

Como se a luz do sol fosse um abraço,

enquanto se retira a retaguarda,

cujo calor eu não quis guardar pra mim...

NOSTALGIAS III

Mas as flores que me mostra este retrato

nunca recebem direta a luz do Sol,

que as ilumina, sem dúvida, em farol,

mas lhes permite manter algum recato.

E quando passo, com a cabeça bato

nessas glicínias de roxos amentilhos

e nos meus joelhos se esfregam verdes filhos

dessas lianas, a sussurrar boato...

Lá no alto, um pingente de metal,

que já agarrou alguns de meus cabelos,

preso num galho, ao vento deveria

girar e rebrilhar o seu cristal...

mas comunica tão só os seus desvelos

quando faísca alegre, ao fim do dia...

EM CASA DE HABACUQUE I (12/2/11)

À beira-rio, há uma casa de ilusões:

ela se apóia no tronco de um salgueiro,

perfeitamente vivo e alvissareiro

e em uma robusta dúzia de moirões...

Ela é pintada de verde e de azul claro,

com um gradil de madeira no terraço;

duas cadeiras oferecem seu regaço:

ai, como é simples este ambiente caro!

Os galhos lhe percorrem, do salgueiro,

todo o seu interior, assim, naturalmente:

a casa sobe das raízes como um fruto...

Lembra um local talvez passarinheiro,

mas seu conforto é para humana gente,

empoleirada em tal diamante bruto...

EM CASA DE HABACUQUE II

À beira-margem, foi erguida uma mureta

de tijolos cozidos, proteção

contra qualquer estrago da erosão;

cerca de arame a torna mais secreta...

Mas quem do rio ao longo se projeta

tem dessa casa uma total visão:

talvez até acene com sua mão

aos moradores da mansão dileta...

Não lhes invejo, contudo, seu conforto.

Possivelmente, lhes custou bastante esforço.

Provavelmente, nem têm televisão!...

Quando, no inverno, o rio se torna morto,

dos botes cessa seu inteiro corso:

fecha-se a casa, sem mais visitação...

EM CASA DE HABACUQUE III

Deve ser boa para um veraneio,

do ruído livre e da sujeira da cidade.

A família fica aqui bem à vontade,

com os galhos do salgueiro de permeio!...

E gostaria, talvez, de estar no meio

de uns braços de mulher, na mocidade,

fazendo amor com toda a alacridade

e dormindo recostado no seu seio...

Contudo, nesta época em que estou,

prefiro os livros e o computador

à vida rústica de tal habitação...

Que essa mulher me aceite como eu sou,

ansiando sempre pelo meu amor,

sem se importar com muita diversão!...

LAGARTA PERMANENTE I (15 fev 11)

Mais uma caixa apoiada sobre a copa,

a casa arbórea se alça, modernosa,

vidraças grandes, sacada volumosa,

que o madeirame proteção não poupa.

Causa surpresa quando a gente topa:

parece mais uma górgona feiosa,

com seu olhar maligno, portentosa,

voltada para o lado, qual se touca

usasse em ocultação de suas serpentes.

Mas os galhos da árvore, virescentes,

não demonstram do peso reclamar...

Não me parece em nada hospitaleira,

essa morada para estada domingueira,

em desgraciosa armação quadrangular....

LAGARTA PERMANENTE II

De fato, não tem nada feminino,

nem em estilo, nem em sua concepção.

Recorda mais um ataúde, então,

em seu oblongo formato masculino.

E nem é militar o estranho ninho,

e nem tampouco me lembra embarcação.

Sua aparência é mesmo a de um caixão,

com um cadáver deitado ali, sozinho.

E mal concebo qual seria o arquiteto,

levemente inspirado por Bauhaus,

que concebeu esse artefato estranho...

Pois casa isso não é, só tem o teto,

para simples proteção dos dias maus,

cortando o firmamento como um lanho!

LAGARTA PERMANENTE III

Um pouco abaixo, abre-se um terraço,

que talvez seja mais convidativo

para observar estrelas, no seu crivo,

girando em torno à Terra em seu abraço...

Porém não vejo de flores qualquer traço:

é só madeira nua e o Sol cativo...

Tira da árvore a luz e o lenitivo,

nela se apóia, mas sem o menor laço.

E como é estranho que tal madeira nua,

erguida para o céu, com sua vidraça

e seu terraço largo e mais desnudo,

recorde mais uma ferida crua,

por sobre o verde, quase uma desgraça,

enquanto a árvore solta um grito mudo!

William Lagos
Enviado por William Lagos em 04/07/2011
Código do texto: T3075780
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