VULGARIDADES & MAIS
VULGARIDADES
Nunca gostei desta palavra "transa":
sabor me mostra anti-natural.
Não tenho para ela a rima mansa:
as mesmas letras, mas não soa igual.
Desse modo, por mais que a testa franza,
o verso é impuro e de valor virtual.
Não me flui fácil e brevemente cansa
buscar-lhe assim o seu sexor virtual.
Pois o pior é que seu significado
o sexo vulgariza em transação
comercial ou em troca de mercado.
Qual se exilasse inteira minha razão;
não é apenas um corpo penetrado:
eu faço amor com mente e coração.
SIAGONAGRA [nevralgia do trigêmeo]
e a questão é bem esta: Pressinto se enciúme
porque lhe fiz amor no tempo em que ocupava
seu ventre alguma outra. E quando se orgasmava,
era a outra que sentia o prazer feito azedume.
por não saber quem amo... Se ela, ou sua parceira,
de coração e corpo... E a quem amava eu?
Tanta vez eu lhe disse quão grande é o amor meu
que engloba as que se alternam na mente sorrateira.
Será que confabulam? Que falam entre si
do harém as odaliscas do mestre do serralho?...
E que dirão de mim, permeio a seus segredos?
Pois quase um adultério a praticar-me vi,
com minha própria esposa; e quando enfim me espalho,
nem sei qual a presença que tive entre meus dedos...
AMOR DE CÂMARA VII -- SCHUMANN
Bate forte essa música e entorpece
e durmo e só desperto ao dia seguinte.
Queria que meu sonho então se desse:
sensual o sono que o sonho teu me pinte.
Queria que Morfeu trouxesse, alado,
o sonho bom que tive: e foi contigo;
e que igual sonho tivesses tu comigo:
quisesses despertar e ver-me ao lado.
Que fosse tudo novo nesse sonho.
Que fosses meu ideal e eu fosse o teu,
por entre as ondas que no sonho espumam.
Que fosse um sonho límpido e risonho.
Que nos fundíssemos em cristais de breu,
para fazer amor ao som de Schumann...
AMOR DE CÂMARA VIII
Fecha a janela durante a tempestade,
palpitante dos dias que anjos voam,
falando mudos das noites que se escoam,
enquanto acorda, presa da saudade
de seu amor antigo e já afastado:
amor que foi de lâmia e feiticeira,
amor que foi de fada alvissareira,
amor de um coração semi-cerrado...
Mas para mim que abrir essa janela,
de par em par, sem hesitar, quisesse
e eu lhe entregasse o meu desejo atroz,
de que me pertencesse, toda ela,
e que inteira e pronta já estivesse
a amor fazer, ao som de Berlioz...
QUEIMA DE VERSOS
Não sei dizer se foi corpo sem voz,
ou voz sem corpo feita num sussurro,
nessa eletrônica comutação de nós
que explode em versos que ao teclado empurro.
Não sei dizer se foi a voz sem corpo,
ou o corpo sem voz da tempestade,
que te chegou ao ouvido, se foi cor po-
derosa com que o relâmpago te invade.
Só sei que me juraste ter prazer
na dor-corisco que o corpo te atravessa,
por sobre o pelourinho do trovão.
Enquanto os bytes murmuram, sem poder
mais que cegar teus olhos, quando cessa,
na luz do raio, o pulso da emoção.
A FILHA DE APOLLO XII
Que coisa mais estranha, que se passa,
quando lanço um olhar e vejo em torno,
qual um solipsista, que essa raça
que me rodeia, que esse povo morno,
é como se não fosse bem real.
Caricaturas são, como uma gráfica
computação inserindo essa virtual
reunião de táticas na memória sáfica.
Tal como escasso fora o orçamento
desse mundo consútil que rodeia
meu corpo inerme em fímbrias de paixão.
E então me apego a ti, nesse momento,
em que teu beijo abrasa e me incendeia
e me derreto em ti, nessa ilusão...
AS JOVENS DE ROMA LV
PYXIA
COM SURPRESA, DESCOBRI QUE ELA TEMIA
LER OS MEUS VERSOS DE ESPLENDOR FUNESTO:
QUE UM OMINOSO FUTURO PRESSENTIA
A CADA VEZ QUE SUSPEITAVA O INCESTO
CONTIDO NESSAS LINHAS ASSANHADAS,
QUE UMAS ÀS OUTRAS FREQÜENTES FECUNDAVAM,
TAL COMO, SE AO FUTURO AMEAÇADAS
TORNASSEM EMOÇÕES QUE A ENSIMESMAVAM.
OU TALVEZ, SIMPLESMENTE NÃO QUISESSE
LER MEUS POEMAS, PORQUE COMOVERIA
SEU MEIGO CORAÇÃO, QUE INDISPUSERA
PELA SUA AUSÊNCIA A QUE MAIS ME APROXIMASSE.
ATÉ QUE AMOR POR MIM CONFESSARIA,
NA ANGÚSTIA PURA DA EMOÇÃO SINCERA.
A EPIFANIA DA ESTRELA
A tradição quis preservar o mito
dos Três Reis Magos, de sabor sassânida.
Um trouxe a mirra, em seu olor balsâmida,
outro o incenso, para um deus bendito.
Puseram-se a caminho os três astrólogos,
guardados por escolta bem armada.
Em proteção do ouro, a bem-amada
e eloqüente moeda em seus monólogos.
Pois dormiam de dia; e, à noite, viajavam,
para seguir da estrela a orientação.
A supernova esplêndida e azulada,
que os céus marcava em plena exultação.
Essa estrela impossível, que enxergavam,
no fulgor pleno da ilusão sagrada.
KLIEG LIGHTS
a vida é uma ironia: são palhaços,
que ao invés de pulular no picadeiro,
fazem momices nas arquibancadas
e inda se julgam no centro do terreiro...
a vida é uma comédia: nesses traços,
talvez uma tragédia, ao derradeiro
piscar das luzes antes espocadas,
que só iluminavam por inteiro
aquele palco falso da consciência,
em que nos enxergávamos, falidos,
em nossa imageria, que outros seres
percorriam na maior inconseqüência,
enquanto nos mantinham, iludidos,
reflexos a gozar como prazeres...
SPOTLIGHTS
e, ainda assim, pagamos para tê-los!
esses prazeres baços de outras vidas,
que nos mostram as telas, nas contidas
aspirações por vicariais desvelos...
pois eu não quero mais viver fantasma!
quero sofre a dor que me entretece;
quero o prazer que aos poucos me envelhece
nesse concreto que a mim mesmo orgasma.
nesse mundo gentil e sibarítico,
que coalesce em torno, em sifilítico
contaminar impudico de emoções...
não quero mais esse prazer aidético,
de fazer versos apenas, no morfético
despedaçar, em gangrena de ilusões...
QUANDO O AEDO MENTE
Assim me vejo, imaculado a medo,
Por trás dos véus do aroma e do segredo,
No jogo das palavras, no penedo
Das emoções arrojadas, no arremedo
Da substância real, em que concedo
Não saber exatamente em que degredo
Se encontra meu destino, nesse azedo
Perscrutar das estrelas, no levedo
Que reflui dentro da taça de minha mente,
Um reflexo de céu, sempre presente
Nessa revolta quase onijacente,
Que perpassa meus sonhos, inclemente
Percepção de que a luz circunjacente
Nunca revela o que o sonho mau pressente.
NA QUEIMA DAS FARPAS
Sempre que o aedo mente, é a verdade
Que transpira em seus versos: ele vê,
Contra o véu da mentira, a realidade
Que o mundo enxerga e, todavia, não crê.
Sempre que o aedo diz falar mentira,
É porque nele a verdade é manifesta:
Na plena fantasia é que se estira
A única verdade que nos resta.
Pois quando o aedo peneira esse universo,
Em que mente a verdade mais real,
Na verdadeira metáfora nos diz,
Que é na mentira que alcança o mais diverso
Descrever desse mundo natural,
Que só existe nos sonhos que ele quis.