A ESPERA
As unhas estão cheias de terra
das muitas tentativas de vencer o abismo
Das muitas vezes que chegando ao topo
se é lançado de volta para o fundo
Aquele que nunca chega: o fundo da base do mundo
Dos ressentimentos - vis sentimentos, de amargura e dor
Rasgo o peito com o ímpeto de um animal
Indócil, valente, sagaz, destemido, irracional
Quero minha vida de volta, quero meu corpo e minha alma
Há em mim a angústia do retorno, a espera da calma
A insanidade miserável de quem já foi, virou passado
Não há aurora na escuridão calada do meu coração
Há uma dor que teima em doer e uma lágrima que teima em cair
Uma voz rouca escondida por trás de um grito abafado
Não quero migalhas, restos, pedaços, quero tudo por inteiro
Escancara os meus defeitos (que não são poucos),
Jogue-os junto a mim, no chão imundo da minha consciência
Atire-os contra mim, um a um como pedras: apedreje-me
Mas não lance sobre mim uma punição eterna:
A de não mais sentir a sua presença
A de não sentir seu perfume passeando pela minha lembrança
A morte poderia até ser um alívio a este corpo sedento de descanso
Caso ele já não estivesse morto.
Morri tão logo suas mãos soltaram as minhas.
Morri tão logo seus lábios recusaram-se a dizer
o adeus que seus olhos já diziam.
Volto-me para dentro de mim. Silencio.
Vejo, à distância, a poeira levantada no caminho...
Vai dissipando lentamente junto aos meus pensamentos...
Reminiscências de uma vida – esta que parece outra
Vejo sumindo ao longe, a imagem, o pensamento,
O sonho, a poesia, a poeira, a esperança, o amor...
Vejo, à distância, o peso da mentira,
A omissão que virou pecado,
O pecado que virou doença
A doença que virou saudade
A saudade que virou culpa
A culpa que virou espera...