A vida continua

Quando um amor se vai,

E esse amor, de fato, era amor,

A gente até finge suportar,

Finge desdém e indiferença..

Mas a droga da dor corrói a alma

E incomoda o coração dia inteiro

Noite a dentro, vida à fora

Quando um amor, que era amor mesmo,

Vai sem nem dar tempo de despedir

Como se bastasse um breve tchau

Uma lágrima força cílios a baixo

Abrindo caminho para um turbilhão

Que vem logo em seguida..

Parece que o amor, que é amor mesmo,

Quando vem, vem para zombar de nossos devaneios,

Definições e planejamentos,

E aparece displicente, diferente

Daquilo que pensávamos querer...

Mas esta droga de amor, que é amor mesmo,

Finca desejos no coração da gente...

Como uma bandeirinha espetada lá

E vez outra dá um peteleco nela

Fazendo doer coração aorta abaixo.

Quando um amor, que é amor mesmo,

Dá as cartas na nossa vida,

Muda tudo, a rotina vira escombros,

A vida passa a ser uma correria só.

A semana finda antes de iniciar,

O final dela é esperado como um grande evento...

O prazer mistura-se ao cotidiano,

Novos vícios de amar surgem,

Novas carências afloram

E até o tom de voz fica mais manhoso..

Às vezes a gente, na correria do amor

Não sabe expressar romanticamente

O sentimento que vivemos

Pois a urgência de amar sobrepõe-se

Às palavras melosas próprias dos apaixonados..

Depois disto tudo, de toda a simbiose

De todas as declarações de eternidades

De fidelidade, de entrega, de cuidado..

De sonhos desenhados para vivermos juntos..

Depois de a pele revirada e células trocadas

De beijos misturados e olhares sarcásticos,

De mãos entrelaçadas e passos apressados

De cumplicidade tacitamente pactuada..

O amor, que é amor de verdade, se vai

Resta olhar pela janela,

Fitar a montanha debochada,

Recolher os resíduos de lágrimas,

Com o dorso da mão ocupada,

Dar um sorriso sarcástico, de saudade

E recolher-se para o futuro..

Que droga de futuro...

A vida continua...