Paralelas
Quando nada em mim te decifrava
na floração constante dos gerânios,
na presença eterna das estrelas,
eu percorria os descaminhos dos errantes
sem itinerário nem destino
desfolhando a rosa-dos-ventos
sem saber onde chegar.
Equilibrista cego sobre as linhas do poema,
devorado pelos tigres da metáfora,
saltei sem rede tantas vezes
a fazer malabares das palavras.
Saltimbanco solitário
para uma arquibancada de olhos,
eu me fiz faquir da insônia
sobre os pregos do relógio.
Quando nada em mim te decifrava
na frágil migração das borboletas,
no canto da cigarra apunhalada
pelo sol do meio-dia,
eu circundava as sobras do crepúsculo
em cada ocaso abandonado
para mobiliar a solidão
com os trastes da lembrança.
Teorizando futuras existências
arquitetei complôs de verso explícito
na nudez da lua cheia.
Atravessei o século sangrento
com uma rosa atômica nos olhos
e o cadáver da esperança num pretenso socialismo.
Caíram os muros da mentira,
e pelas ruas do mundo os jornais disseminaram
as previsões do novo tempo.
Só eu segui sozinho, me doando em sangue e verso,
me matando em vida e sonho.
E quando todas as elípticas conspiravam contra mim
nas cartilhas do zodíaco,
sem o que comemorar nos calendários
nem com quem dividir a primavera,
quando estava aposentando os meus sapatos
feridos de distância acumulada,
quando havia desistido das angústias,
renunciado as teorias:
tu surgiste de rumo semelhante
e me mostraste que era o fim das paralelas...