AMOR POR INSTINTO
A M O R P O R I N S T I N T O
Arrulha a pomba no telhado
Crocita o corvo na quilha
Ouvem-se vozes de triunfo no cais
Canto versos órfãos de rimas
Sou viciado em você
Alimentei-me do seu colostro
Respirei seu hálito
Sei que brigamos por nada
Você diz que fui petulante
Mas você é encrenqueira
A meu ver é implicação sua
Não sou este cafajeste falado
Nem você é esta megera titulada
Não sou seu príncipe encantado
Mas permaneço seu namorado?
Se nossas almas se combinam
Amo te pelo seu aroma
Não me detesta nem sente ódio
Mas está sempre com um pé atrás
É como a mão que sai do berço e balança
Você chora feito manteiga derretida
Se passarmos um dia sem nos vermos
É infundado seu temor de me perder
Amo te pelo seu magnetismo
Não preciso de referências para amá-la
Rasuro o nosso regulamento para amantes
Rascunho uma declaração de amor
Grifo as palavras enigmáticas
Você não lê uma linha do que te escrevo
Falo praticamente só do nosso amor
Esmerilo as sílabas na resenha
Transcrevo siglas de uma fábula
Não restam páginas em branco
O envelope traz o adeus
Prendo o tempo entre as mãos
Não fuja, somos apaixonados
Que diabo! Nossa profecia não se cumpre
De amarmos só por empatia
A cera coagulada da vela tem a resposta
É indefinível o seu gostar
Ainda assim amo te pelo seu mistério
Adoro-te pela sua fragilidade
Mas você não deixa o amor emplacar
Tenta torná-lo feijão com arroz
Não é que não goste das coisas simples
Para amá-la preciso consulta prévia
Mesmo assim amo-a por vocação
Pelo os trejeitos da sua face
Sinto sua ausência atrás da língua
Meus olhos lançam te chispas
Que ardem como labaredas
Nem uma chuva indomável aplaca-me
Faltam-me ingredientes para a loucura total
Não há mais lágrimas...
Sou fogo-fátuo no seu pensar
Tal qual um raio que cai num lago
Grito a diferença das coisas
Continuo amando-te, pois és linda!
Pelo seu cabelo natural
Pelas curvas de seu modelo
Sou limitado em qualidades abstratas
Mas vou me tornar romântico
Por subserviência vou abaixar a cabeça
Não obedeço à própria razão
Tanto que amo te pela sua boca
Pelo sabor de seus beijos
Mais e mais meu lado da cama fica frio
Você me deixa seco de desejos
Parece que abomina minhas carícias
Provocas em mim comichão
Não faço contas, amo-te
Não tomo conhecimento, amo-te
Por acontecer o amor, amo-te
Por conjugação estelar, amo-te
Pela comunhão dos mitos, amo-te
Amo-te, para não contrariar o amor
Amo-te por instinto animal
Ininterruptamente repito: TE AMO!
Você não é Jocasta
Nem eu sou Édipo
Porém tudo leva a um complexo
Instintivamente fico cada vez mais confuso
Resta-nos apagar as sobras da luz
Ou inundarmo-nos nas próprias lágrimas
Não temos libido, estamos no cio
Vamos fazer as pazes!
Por que não nos falarmos?
Raiva não salva o mundo
Os iguais vão-se com atrazo
Os contrários chegam numa noite avançada
Numa manhã cinzenta ressalta uma ressaca escrota
É inglória sua luta a favor da tristeza versus a enxada
É idiotice sua comprometer suas calças
De minuto a minuto mudam suas mil paisagens exóticas
Sua sorte está plantada num útero de plástico
(novembro/1990)