AMAR: PERDER O NOME DAS COISAS
Por mais que eu diga
que o tempo é tarde
e o amor pertence
ao coração antigo
pérola pedra
voz abissal
de tão silenciosa
chegaste e nada cala
esta voz nova
e o medo de perder
antes do ganho.
Amor que dá peso aos minutos
e reinstaura a dúvida
sobre o que se é:
Semente?
Espinho?
Flor?
Ausência de si mesmo
por se estar no outro.
Ausência de voz
para o tanto a ser dito.
Cautela absoluta
pelo tanto a ser calado.
Estar na amplidão de tudo
o que é olhar e corpo.
Amor que chega
recortando o tempo
em mil pedaços.
Amor de espera
contaminando os gestos
do dia-a-dia
as ruas...
Estranhamento de tudo
tornado outro.
Outro acordar de manhã
outro adormecer
outra natureza
nas noites brancas
outro silêncio e paz
outro cansaço e voz.
Todo o oculto e o esquecido
pulsando
na pele, nos ossos.
Eis-me aqui
eis-me aqui
sem outra certeza
senão a de estar nua
desde os recessos da alma.
Amar é isto:
Perder o nome das coisas.
Amar é isto:
Pássaro exausto
abençoando o voo
e o pouso impossível.
Do livro inédito CRAVO VERMELHO TERNO BRANCO, de 1991, "publicado" para um único leitor.
Republicação na tarde de 01 de junho de 2011.