RETRIBUIÇÃO & MAIS
RETRIBUIÇÃO I
Dá o melhor de ti. Mantém presente
que teu esforço podes repartir...
Sabe-se lá!... Talvez essa potente
capacidade que tens de transmitir,
tua rapidez, teu correto redigir
se destinem à colheita do presente,
compartilhado com quem tem produzir
muito menor que o teu, na surpreendente
habilidade de cumprir tantas tarefas,
enquanto outros nem sequer as suas
puderam completar -- quem sabe, até,
ao trabalhar por quatro em minhas sanefas,
sou responsável por manter as cruas
necessidades de quem não tem fé.
RETRIBUIÇÃO II
Teu tempo tem valor. A cada hora
corresponde certo número em reais
ou talvez muito menos, dependendo
que seja produtiva ou posta fora...
Talvez os outros, porém, em teu agora,
te valorizem pouco. Ou, em carnavais
desperdiçaste o tempo em teu outrora,
sem perceber a vida estar perdendo...
Não foi assim comigo, pois a vida
sempre foi cheia de mil ocupações,
em que servi os outros, prontamente...
O tempo eu partilhei; foi a vida consumida
sem me esforçar por mim, sem ilusões
de receber a paga, eventualmente...
HORAS SAGRADAS
Guarda um pouco para ti. Se deres tudo
e um dia precisares, não esperes
que te devolvam todos os haveres
que nunca adquiriste, nesse mudo,
desconhecido esforço em quefazeres.
É bem verdade que, pelo teu estudo,
acumulaste tesouros. Mas desnudo
mostraste o coração; e os teus saberes
transmutaste em poemas esquecidos...
E mais ainda, em muito foste afável
e transmitiste o que a custo amealhaste
nas entranhas do cérebro. Mas perdidos
são esses dias, de cunho imponderável,
que distribuíste, enquanto a ti negaste.
EVANESCÊNCIA VII
Resta saber se eu saberia se leal
a quem leal me fosse a esse ponto...
Leal eu fui em todo o desaponto,
por mais que a vida me fosse desleal...
A pergunta é se, às vistas desse ideal,
eu saberia dar o contraponto...
Que a dádiva pagasse, sem desconto:
leal eu fosse e não tão só cordial...
É bem possível que nutrisse desconfiança:
leal só o é de fato quem confia...
Por tanto tempo fugiu-me essa alegria,
que nem sei se ainda busco essa esperança...
Ou se me serve apenas de folia,
contra a amargura que meu peito alcança.
EVANESCÊNCIA VIII
A companhia de quem espero lealdade,
que pense como eu e me aconselhe,
nunca encontrei: alguém em que me espelhe
e que partilhe comigo igual verdade...
A serva submissa e sem maldade
eu encontrei um dia, porém dei-lhe
o meu adeus, momento em que expliquei-lhe
que precisava de mais que inermidade...
E à dama egoísta, eu também servi,
leal sempre a si mesma e sem lugar,
na mente cheia, em que me aconchegar...
E de tal modo, foi que percebi,
até que ponto oscilava seu amar,
leal e intenso, porém somente a si...
OUROPEL
Como é doce encontrar alguém tão doce!
Nesta amargura que tudo torna amargo,
é inefável a busca, sem embargo,
pela mensagem que novo sonho trouxe...
Que doce fora assim, queria fosse,
por amargo que seja o mundo largo,
por mais que sonhar versos seja o encargo
que de mim mesmo assumiu completa posse...
Mas que seja tal doçura bem distante.
Tanto amargor nos traz proximidade:
pode tornar toda doçura em fel...
Contudo, num momento delirante,
ainda me abraça a possibilidade,
de que perto seja doce, qual o mel...
ESQUIVANÇA I
Ai, como agora quisera fosse antes!
Não que então melhor fosse, mas bonança
pressentida, tingida de esperança,
corria por meus olhos, cintilantes
de pejo e de desejo, em esfuziantes
conotações de vinda e de chegança,
ao invés de ausências... Ai, como me cansa
esse viver em tais lembranças dantes!
Essa esperança de viver na espera ,
espera cega de viver plural,
plural inútil, longo festival
na mesa do banquete, quem me dera!...
Pois, na espera da quimera do sustento,
me assento só, na espera do alimento...
ESQUIVANÇA II
São apenas padrões, velhos, sensíveis
rotas de fuga, artérias, tão somente:
apenas vibrações que mal se sente,
enquanto vibra o mal... Incompatíveis
com os pendores de ouro... Imarcessíveis,
deletérias visões em que, presente,
se encontra o olhar do cego, pertinente
tão só às mágoas velhas e imperdíveis...
Nada mais que padrões, vibratilmente
a repetir-se em mimas, ao redor,
padrões de azul e ardor, padrões de sol
conservados ao luar, tão sutilmente,
que os próprios padrões se enleiam; dor
padronizada nas linhas do arrebol.
JOVENS DE ROMA LXIV
PRISCA
O TEMPO PASSA, O TEMPO MAU DA ESPERA,
O TEMPO ENTRINCHEIRADO,
O DIA PERVERSO,
O TEMPO EM DESAMOR, TODO CONVERSO
EM GOSTO MULTICOR
QUE ANIS ME GERA
NO TRONCO DESTA LÍNGUA, BESTA-FERA,
GRISÁCEA E CRISTALINA...
QUANTO VERSO
DEIXOU DE PROFERIR, DEIXOU DISPERSO,
SOMENTE DERRETIDO
EM VÉU DE CERA,
QUE INVADE O ROSTO E O CORPO
DA QUIMERA,
QUE LUSTRA AS MÃOS E OS PÉS
FAZ DESLIZAR
EM DIREÇÃO AO ABISMO DO AMOR RASO...
AH, SE FINDO ESTE AMOR,
OUTRO TIVERA!...
QUE NÃO FORA SOMENTE
O PERPASSAR
DE UM DESEJO SERVIL, FEITO DE OCASO!...
SÉPALAS
É certo que doeu, mas bem de leve...
A visão é fugaz e mal se atreve
meu pensamento a esperar, sequer por breve
ilusão de um momento, que algo exista.
Nada mais resta que essa dor fininha,
que retorna sutil, quando avizinha
e me olha nos olhos, luz mesquinha,
da situação em que o padrão consista...
Que ainda quer saber, saber só quer,
se algo existe em mim do que existiu,
se algo sobra em nós do que sobrou...
Do algo inexistente, o bem-me-quer
despetalado e seco, que fluiu
e nem sequer o vento me mostrou...
JOVENS DE ROMA LXV
AULULLARIA
DE FATO, FOI SOMENTE MALEFÍCIO
AQUELE ENCONTRO MAU,
DE AMOR CASUAL:
JAMAIS SURGIU O BRILHO DO FANAL,
QUE ACARRETASSE PLENO BENEFÍCIO.
MAS ANTES, ARRASTOU-ME
AO PRECIPÍCIO
DE UM DESTEMOR REPLETO DE FATAL,
ALEATÓRIO BEM, UM CARNAVAL,
INCONSEQUENTE COMO A CULPA OU VÍCIO
DE UM CHARLATÃO; AINDA LAMPEJANTE
A SOMBRA DANÇARINA EM PLENO CÉU,
A NUVEM ROSICLER DO IMPENITENTE.
E FOI ASSIM, APENAS CINTILANTE
DA PROFECIA FALSA, UM FOGARÉU,
CONSUMIDO EM SI MESMO, TOTALMENTE.
JOVENS DE ROMA LXVI
MASSILIA
ESFUMADO, AFINAL,
TODO O DESEJO,
[TODO DESEJO HUMANO É ESFUMADO]
PELA VISÃO SUTIL QUE TIVE AO LADO,
AO LADO, SUTILMENTE,
EM CLARO BEIJO,
UM BEIJO LANGUESCENTE,
EM SEU ENSEJO,
ENSEJO CUJO IDEAL NASCEU CANSADO,
CANSADO DO ESPERAR JÁ ESPERADO,
[QUE ESPERA INÚTIL
DESDE O INÍCIO VEJO.]
E VEJO ASSIM,
NOS VENTOS DA MEMÓRIA,
QUE NUNCA HOUVE, MEMÓRIA AMARFANHADA
DE REPENTINAÇÕES, MEMÓRIA ALADA
QUE ME VIU LÁ DO ALTO, SEM HISTÓRIA,
E VI-ME ANDANDO A SÓS,
NA FRIA ESTRADA,
QUE SAI VAZIA E NÃO CONDUZ A NADA...