Duas Marias

Velhos sapatos1 ,

como aqueles que,

secretamente,

misturaram tintas e

movimentaram os pincéis

de Vincent van Gogh,

estão bem aqui à minha frente;

fazem compras e resmungam,

como um velho casal, as minúcias

dos afazeres do cotidiano.

Não são iguais os sapatos,

um preto e outro branco;

o branco maior que o preto.

- Caprichos, de um sapateiro

sempre a criar moda,

como quem cria mundos!

Caminham rotos nessa vida,

os sapatos;

não querem acordo com meia-sola;

querem-se velhos nessa vida

de tantos caminhos feitos

de pedras e desventuras,

por vezes.

Agora, sapatos velhos,

de tanta entrega, usados;

de tanto amor,

como todos os outros, rotos.

Cabelos brancos,

a vista cansada

da mesma paisagem

no caminho percorrido

a passo miúdo,

para amar,

como os outros!

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1 A escolha do termo cunhado no preconceito corta profundo a língua, mas se impõe aqui como apelo poético

JMaffa
Enviado por JMaffa em 30/05/2011
Código do texto: T3002261
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