Onde Nunca é Primavera
Sabes o que me dói
na bárbara geografia da metrópole
com seus acidentes arquitetônicos
e lagos artificiais sujando o céu?
Sabes o que me dói
na cotidiana romaria dos operários
que migram da periferia
com o a esperança na marmita?
Sabes o que me dói
no transe coletivo da colméia humana
pululando na avenida
sob a clave do relógio?
Não, tu não sabes o que me dói
quando, à noite, as crianças na janela
confundem o alerta das antenas
com as estrelas submersas no luzeiro.
Não, tu não sabes o que me dói
quando, a cada ocaso turbulento,
a urbe se povoa de angústia
no exílio das grutas de concreto.
Não, tu não sabes o que me dói
na paisagem vertical
Impedindo que os espelhos
vivenciem o pôr-do-sol.
Ah, o que me dói e tu não sabes,
é saber da tua ausência
pelos longos logradouros
onde nunca é primavera.
É saber que não viveste
a rotina operária
de um retorno para casa
na aventura de um trem.
É saber que tu só vives
onde a vida é uma metáfora
e impedes a cidade
de brilhar com tua luz.