Estilhaços... (homenagem a meu pai)

Estilhaços

A garoa cai fina, fria.

Sobre o ombro arcado, fere.

Atravessa o grosso casaco, surrado.

Pernas frágeis, molhadas.

Passos vagarosos

Jamais saberemos o que machuca mais

Se a garôa sobre seu velho corpo

Ou se a chuva de recordações que estilhaçam sua alma

Arrasta os pés sobre a água, suja.

Mal iluminado por par de lâmpadas

Na longa rua, escura.

Agarra o chapéu

Único salvador

Encolhe-se talvez entre a gola

Fazendo com que os lapsos de memória

Não atinjam o seu ser

Logo os olhos embaçam

São os aros de idade avançada

O opaco reflete seu íntimo

A tormenta que ocorre

Seus lábios tremem

Balbucia algo incompreendido

Um mudo pedido de socorro

O peito em espasmo se contrai

O controle do orgulho se esvai

Uma lágrima, límpida.

Se junta em comunhão

Com a água fina e fria

Que fere a face

Penetra mais fundo

Chicoteando o coração...