EU A VI PASSAR

Eu a vi passar
ave de asas transparentes
lábios de um carmim intenso
perfume luminoso
ao meu redor

Eu a vi passar
como vejo o vento
navegando entre as folhas
de uma árvore
ao cair da tarde

Eu a vi passar
e ficou uma canção
tão azul quanto o céu
de minha cidade
na estiagem

Eu a vi
e a deixei passar
e deixei o tempo cobrir
com a sua areia
aquela lembrança

Mas, de vez em quando,
sorrateiramente,
ela volta a passar
com o seu corpo diáfano,
poesia em forma de pessoa

e me lembra que a vida
é um álbum de fotos
que uma mão divina
deixa sempre aberto
sobre a mesa da memória

E eu sempre o revejo
na entrada da manhã