A INCUMBÊNCIA DA DEUSA (In Memoriam Doreen Valiente)

A INCUMBÊNCIA DA DEUSA

[IN MEMORIAM DOREEN VALIENTE]

A Rainha da Lua não deseja

que se cultive o dote da tristeza.

A Rainha das Estrelas, na beleza

estabelece a adoração que almeja...

São essas as palavras que nos dota

a mãe-esposa, filha e irmã-amante,

que nos confere a bênção triunfante

desse viver sem culpa, que denota.

"Que minha adoração assim se encontre

no coração de quem se regozija.

Pois vêde: quaisquer atos de amor

e de prazer, são meus rituais;" e reencontre

assim aquele que seu pecado alija

e então se entrega à deusa em resplendor.

VIVEIRO XXXII -- THE ALBATROSS

A quem compararei o meu amor?

Finalmente, chegamos ao albatroz,

ave sacra-maldita, em seu atroz

receptáculo de intrínseco valor...

Também maldita, pois se um marinheiro

arranca a vida a uma dessas aves,

[especialmente nas antigas naves

sopradas pelos ventos] o aventureiro

levava por força ao pescoço sua carcaça,

até que ela caísse e essa desgraça

afastasse do barco em que se achava...

E é assim o meu amor: contradição

que tanto me maltrata... e pendurava

por minhas artérias ao próprio coração.

ARAVEL

Ela se encontra em busca de si mesma,

testando o que quer ser. A natureza

de seu futuro, ainda vão e incerto

do que quer longe e o que deseja perto.

Em busca de si própria nesse instante,

ela se afasta, para bem distante;

e, ao mesmo tempo, perto se anuncia:

deseja ter a noite -- e quer o dia...

Lado a lado, no mesmo movimento,

paralelos essa noite com o dia.

E, se me quer ausente de onde estive,

também me quer, no mesmo sentimento.

Permanente como estrela fugidia,

rápido e insípido, como um amor que tive.

"Aravel" é um campo fértil que pode ser arado muitas vezes, mas ainda não o foi. "Arável" é terra já preparada anteriormente para plantio.

AS JOVENS DE ROMA XL

MARULLA

O SEU OLHAR GENTIL, A PELE MUITO CLARA,

OS DENTES RELUZENTES [TALVEZ SER DEVERIAM

UM POUCO REDUZIDOS] EMBORA INDA SORRIAM

COM PURA LUCIDEZ... E TAL OLHAR ME VARA

ATÉ O CORAÇÃO. É A PONTA DE UMA LANÇA,

INVOLUNTÁRIA ATÉ, MAS CIENTE DO PODER,

CONSCIENTE DA CERTEZA DO QUE DESEJA TER,

POR PURA DECISÃO, MAS NÃO POR ESPERANÇA.

É ASSIM QUE ME DOMINA, POR MAIS QUE NÃO PERCEBA,

QUE TAL PERCEPÇÃO EU TENHO BEM AGUDA:

SE UM DIA ELA QUISESSE, TÃO FÁCIL LHE SERIA

FAZER COM QUE DEIXASSE, POR ELA, A CHAMA MUDA

DE QUANTO EU TENHO AGORA, DE QUANTO AINDA RECEBA

DESTA VIDA TÃO CHEIA... E DE EMOÇÃO VAZIA...

JOVENS DE ROMA XLI

CNAEIA

AMOR EXISTE. E AMORES, A GRANEL,

QUE SE SUCEDEM, MANSOS, VIGOROSOS,

UNS AVASSALAM, OUTROS SÃO TEIMOSOS,

CRESCENDO DEVAGAR E SEM QUARTEL...

POR MAIS QUE SE OS COMBATA, SE ENRAÍZAM

E FICAM FIRMES, NO INTERIOR DA MENTE.

SUA TENSÃO É PLENA, BEM PRESENTE,

PORÉM NÃO TE CONTROLAM: SÓ CATIVAM...

JÁ OS AVASSALADORES, TRANSITÓRIOS,

EMPOLGAM MAIS O CORPO QUE O TECIDO

QUE NOS COMPÕE A ALMA. E SEU VIVER

É MOMENTÂNEO... E, EMBORA SENDO INGLÓRIOS,

MELHOR SENTIR AMOR E HAVER PERDIDO,

DO QUE PASSAR A VIDA E NUNCA TER!

AMOR DE CÂMARA V

O que eu desejo, aquilo que mais busco

é alguém que não somente me compreenda,

mas que caminhe pela mesma senda

e que meu braço ampare ao lusco-fusco.

Alguém que pense em mim com mais carinho

do que até hoje tive. Amor estranho

que me faça sentir, como de antanho,

ser meu cajado e a luz no meu caminho...

Porque aquilo que busco, eu não perdi,

e até o que não buscava, consegui,

embora seja muito mais o quanto quero...

Não é um amor comum, que assim espero.

Anseio um grande ardor, que então me ensine

A amor fazer... ao som de Bononcini...

JARDIM DO ESPANTO XXXI - A SETCRÍSEA

E assim me vejo, excedendo meus limites,

tal como faço em tudo... Imoderados

são os meus apetites e pecados...

[poéticos, apenas, mais convites,

que nem sei o que faria se aceitassem...]

Me acostumei comigo, meu carinho

se distribui em versos... Mas sozinho

até prefiro estar, que me abraçassem...

Porque é preciso tanto acomodar!...

Visitas e presentes, nesse ardor

que o furacão acalma e a brisa alísia...

E assim, me escondo por baixo do cantar,

sem nunca desfrutar de um novo amor,

purpúreo e róseo, como a Setcrísea...

MELODISTA

não fora este dia,

eu nada tivera

e então perderia

o quanto estivera

à espreita de mim,

em olhos de cobre,

em mágica assim,

que a mente desdobre...

se não me dissera,

eu jamais falaria,

no início ou no fim...

e assim, não soubera

que amor, quem diria?

sorrisse para mim...

PRÓDROMO

Essa história de amor, que vai de mão em mão,

Doidivanas sem rumo, sem vento e sem derrota,

Que se agita na brisa, que busca uma ignota

Mulher inatingível, em luz de sedução...

Essa história infeliz, marmóreo pedestal,

De amar tantos amores, mas sem querer qualquer,

De apenas se encolher, às vistas da mulher

Que realmente existe, que tem amor carnal...

É coisa amalucada, é vício de poeta,

Que jamais se contenta... E busca, sem parar,

A fonte de outro amor, em que se abeberar...

A imaginar que exista essa fêmea completa,

Que tudo possa ser... Amante, mãe e irmã,

Sabendo que tal alvo é só esperança vã...

PRISTINO

Já é tarde, acho eu, para de um sortilégio

valer-me e falar para os deuses assim...

Que meu puro desejo, esse meu privilégio

jamais em concretos pendores, enfim,

soprasse em meu lábios senão em perplexo

esgar de menino, no corpo de um velho.

Que os deuses me dessem um dote sem nexo

ou um zelo sem preço e um amor desparelho.

E entretanto, eu queria gozar de um condão:

que as frases de ouro, rotundas de ardor,

cravassem raízes no seu coração...

A tal ponto que nunca esquecesse pendores

que um dia cresceram com tanto vigor

e voltasse-me o olhar, cintilante em favores...

SANTÍSSIMO

eu chego a sentir pena dos deuses, coitadoS,

que desejam sorrir-me, fiéis, benfazejoS...

que façam por bem conceder-me os desejoS,

aos olhos meu canto, aos ouvidos, aladoS

lampejos silentes do bem mais queridO.

que triste, meus deuses! eu mesmo não seI

se o que quero é um beijo... e nem sabereI

se prefiro a emoção do meu peito feridO...

pois então Mnemósine é que vem e adivinhA

qual seja este anseio bem fundo e veraZ...

se o que eu quero é compor e escrever tão somentE.

e se todo esse amor, que jurei, tão freqüentE,

era apenas pretexto, que à mente compraZ,

no incauto escrever da graça que continhA...

RETORNO À NATUREZA...

Uma coisa são florestas domadas, européias,

há muito percorridas, de feras desprovidas,

de cobras e escorpiões somente; conhecidas

de bactérias antigas e vazias de epopéias...

Outra coisa são matas cerradas, amazônicas,

repletas de peçonha, de fungos e de insetos,

dispostos a picar... de vírus irrequietos,

no sangue prosperando em lutas hegemônicas...

Por controlar o corpo do incauto aventureiro.

Uma coisa é dançar dos bosques nas clareiras,

a distância segura das luzes da cidade...

Porém, que diferente é lançar-se por inteiro,

por entre os jacarés, dos pântanos nas beiras,

onde as jibóias mostram maior veracidade...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 12/05/2011
Código do texto: T2964941
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