Um cego amor

Dei-lhe tudo que tinha

Ensinei-lhe meus truques

Desatei em prantos

Nos apuros dos sonhos de não estar comigo

Carreguei sua vida nas costas

Abdiquei de tudo que não fosse seu

Dediquei-me como cão

Adivinhando-lhe os desejos à mínima menção

Esqueci meus planos

Apaguei-me de mim

Definhando insano

Ano após ano num transe sem fim

Das outras pessoas

Sequer lia os lábios de alerta

Hipnotizado, doente, patético!

Prestava-me aos mais leves caprichos seus

Sua dor era minha dor

Velava seu sono para espantar-lhe os pesadelos

Seu franzir de testa me deixava em alerta

Jamais percebia o próprio desespero

De tempos em tempos uma sensação sutil

Acaricia a lembrança como um desafio

Como a tentação ao retorno de um vício

Como oficina impregnada dos cheiros do ofício

Mas resisto...

Raspo as forças do recipiente de uma alma vazia

Como se aquele gozo fosse agonia

Como se ficasse melhor como estou

Procuro a qualquer coisa viva

Como um periscópio submerso em lama

Uma mecânica direção me toma

Como um vôo sem plano, como nau à deriva.