O mundo ficou azul.
Quando a noite vem, a pressa vai,
tudo fica maré mansa, tudo fica em câmera lenta,
tudo fica longe da sangria desatada do ganha-pão.
As pedras que enfeitam o caminho se cabisbaixam,
o vento que assopra câimbras na alma desaparece,
o medo que faz nossas costelas balançar vira fuligem, vira miragem.
Quanta coisa pra dizer, pra receber, pra dar, pra trocar,
quantos oásis brotam no vazio das peles,
quanta saliva se enxurra louca pra fecundar a paixão,
seja ela qual for.
Então o poeta se vê gigante, se perde no meio de si mesmo,
tudo fica azul, o mundo vira do avesso só pra abrir um sorriso,
a vontade de ficar junto só perde para as vontades de Deus.
Nessa hora não existe o feio, não existe o gosto ruim,
nessa hora os socos no ar viram afagos de mãe,
nessa hora as fronhas ficam só esperando para serem massacradas
pelas cabeças dos amantes, massacradas como nunca foram antes.
Se o mundo acabar nessa hora, dane-se o mundo,
se a dor teimar em dar o seu bote, dane-se a dor,
se os homens teimarem em detonar a vida, danem-se os homens.
Quando a noite vem, nada mais terá vez,
nada mais pedirá a bênção,
nada mais irá bater à porta,
nada mais terá vez.
Nada mais terá vez, por fim.
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