DOCES CASCAVÉIS, BALUARTES ROMPIDOS & PAREUNIA

DOCES CASCAVÉIS I (2008)

Eu me pergunto se algum dia publicarem

esses meus versos tolos, o que dirão?

Quem foi a amada de meu coração?

Pois deixarei totalmente imaginarem

se foi uma ou foram muitas a inspirarem

minha pobre alma dorida de ilusão,

ou se tudo planejei, sem mais razão,

só para alheia confusão causarem...

Mas a resposta se encontra nestes versos,

nos pequenos amores que descrevem,

no sacrossanto amor que me prescrevem...

Como saber quais desejos são conversos

nessas tiradas de cor que o vento inspira,

se nem ao menos eu sei qual dor me tira?

DOCES CASCAVÉIS II (17 JAN 11)

Eu já nem sei quais amores foram meus

e quais me foram trazidos pelo vento...

O cheiro da mulher é um testamento

mais persistente que aquele dos judeus...

Passados dois mil anos, os fariseus

existem apenas nas páginas de alento

do Evangelho Novo, um julgamento

da hipocrisia e dos costumes seus...

Porém passam milênios e as mulheres

ainda inspiram aos homens juramentos,

ainda operam milagres e portentos

e os homens empós elas, pobres seres,

que se julgam pertencer ao sexo forte,

lhes entregam totalmente a vida e a sorte.

DOCES CASCAVÉIS III

Bem sei que tive numerosas atrações,

sem ser eu mesmo, particularmente,

para as mulheres nada de atraente:

foram só meus uns poucos corações...

Mas eu diria que essas firmes relações

foram intensas e duraram claramente

o quanto a vida me dotou, ridente:

não posso me queixar, tive ilusões...

Porém nas ruas, quando assopra o vento

e arranca das transeuntes seu perfume,

ainda hoje, me fremem as narinas...

Como respiro o odor de seu alento!

De umas felizes, de outras o azedume,

nessa ânsia feroz de novas sinas!...

DOCES CASCAVÉIS IV

E se algum dia perguntarem, não confesso

para quem foi o sonho de um poema.

Eu fico preso às tranças de um dilema,

nos meandros da memória me atravesso...

Porém, desconhecida, hoje te peço

um certo dó de minha loucura extrema.

Que me tenhas amado, em pura gema,

somente nesse olhar de que hoje esqueço.

Pois se me amaste, crê, também te amei,

sem nunca ter tocado na tua face...

Não me quiseste? Então, nem eu tampouco.

Quando nada me deste, eu não te dei;

mas tudo dando no olhar que me lançaste,

eu só lamento que esse muito foi tão pouco!...

BALUARTES ROMPIDOS I (2008)

Não é que eu queira realmente... Eu sinto

precisar de mexer com emoções,

boas ou más, são estas as razões

porque para mim mesmo tanto minto.

Nem é que eu minta mesmo. Só pressinto

que necessito nutrir mais ilusões,

quer de prazer, quer de devastações,

para que formem este dote que consinto

me fira o coração por outra vez,

que neste autopsiar de meu recinto

eu possa alimentar sedenta musa...

Ela é apenas uma estátua, mas talvez,

porque sou Pigmalião, então eu pinto

nela minha vida e a esperança mais difusa...

BALUARTES ROMPIDOS II (18 jan 2011)

O mesmo mito tomou Bernard Shaw:

em My Fair Lady tornou~se musicado;

quem sabe um pouco tenha sido deturpado,

talvez cortado sendo o antigo nó...

Porque Pigmalião não se acha só:

essa ilusão de alma gêmea ao nosso lado

foi um sonho por Platão filosofado,

jaz na alma humana e é até de causar dó,

porque nunca se achará o par perfeito,

cada qual tem seu valor e o seu defeito

e é isso que nos torna interessantes...

Pois se a mudarmos, tal personalidade

será igual a nós, é bem verdade:

espelho apenas de nós no doravante.

BALUARTES ROMPIDOS III

O homem se ilude em ver na companheira

esse ideal que já buscava de antemão,

mas quem lhe faz palpitar o coração

é uma mulher, completa à sua maneira,

mas que não é, certamente, essa certeira

escolha prima para sua ilusão:

todas têm os seus caprichos, porque são

as mães da geração que já se abeira.

E então marchamos por diversos trilhos:

cada qual deve aceitar como o melhor,

se lhe permite que no corpo seu se adentre.

Não nasceram para nós, mas para os filhos;

por mais amor que mostrem, seu maior

é reservado para o fruto de seu ventre.

BALUARTES ROMPIDOS IV

Mas a mulher de modo igual se ilude,

ao escolher o homem que a atraiu:

as qualidades talvez que nele viu

são balanceadas por seu todo rude

e ela pensa, quiçá, que tudo mude,

que esse carinho que em seu peito reluziu

transforme o amante no ideal que preferiu,

nessa certeza em que o amor se escude.

Mas não consegue e vê~se em frustração:

tem o homem que quer, mas não queria:

que nunca transformou no seu ideal...

Ou então, consegue tal transmutação,

mas este novo não é mais quem a atraía.

mudando o amor numa afeição banal...

PAREUNIA I (ato sexual)

Já não nos vemos e se foi o anelo:

teus passos te levaram pela estrada

que não palmilharei, nessa empoeirada

nuvem de cinzas, que te oculta o belo

rosto querido, que à noite não mais velo,

pois tudo já esqueci da face amada;

magia inteira para mim roubada

das areias da memória, em pesadelo...

Recordo apenas o teu andar gracioso:

porém a tua figura está incompleta

e até parece que em minha mente nunca esteve.

Qual nunca contra o peito, no amoroso,

vazio abraço, muito embora, para um poeta

muito mais valha justo aquilo que não teve...

PAREUNIA II

Queria agora encontrar-me de teu lado

como antes estivemos... Pareunia

perene, rara rima da elegia,

revelada pela voz do amargo fado.

Queria estar agora de novo nesse estado

em que a pele de meu peito reluzia,

quando minha carne, que sinto ora vazia,

não se havia ainda rompido e esfarrapado.

De mim levaste o coração e os rins,

os pulmões, a vesícula e intestinos

quando te foste empós outros destinos...

E eu fiquei semiaberto, nestes fins

de uma vida vaga e sem sentido,

como está vago o meu corpo desvalido.

PAREUNIA III

De modo igual, se longe estás, eu sei:

não foi a vida que te levou de mim;

foste tu mesma que preferiste assim,

por tudo o que quiseste e não te dei.

Por longo tempo não te querer pensei,

mas agora que te foste o peito eu vim

esgaravatar e nele encontro, sim,

esse desejo que a ti nunca revelei...

Não foi a ausência que me desencadeou

esse alvoroço interno, esta surpresa...

Foi a presença tua no meu seio.

Semente pura, que agora rebrotou,

viçosa e fresca, em plena natureza

de tal convicção... que enfim me veio.

PAREUNIA IV

E mesmo usando essa palavra feia,

que é quase escusa em eruditicismo,

acho refúgio em um tipo de estoicismo

de inseto que procura em vão a teia,

à espera dessa aranha que me leia,

que um dia me enlaçou em eroticismo

e baniu-se a si mesma ao ostracismo,

sem me sugar a vida que me enleia.

Não me importava de tornar-me refeição,

para tua alma servindo de alimento:

dentro de ti me encontraria permanente.

Enquanto ferve em mim a solidão,

em que comungam emoção e julgamento,

na plena lástima de te saber ausente.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 17/04/2011
Código do texto: T2913955
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