PASSADO DE MIM

Mais um verão passou voando...

Asas que atravessaram flagrantes de verão,
sobrevoaram pontes, igrejas
e cidades pequeninas.
E nós nos remetemos corpo e alma ao passado indecifrável que nos disciplina...
 
Goles de vinho francês
comemoraram nossa união e gestos
líquidos e sabores,
marcas que vitrificaram nossos amores.
E nós nunca confessamos a culpa dos nossos desiguais valores...
 
Os anos foram passando
e lavaram nossas almas nas águas
do rio corrente.
 Longe do porto
 ancoramos o veleiro
e nem percebemos
que somos iguais e diferentes...
 Imagens dos nossos distúrbios,
 tresloucadas noites de amor
e as despedidas de cada manhã.
 
Sob a pedra arquitetada de nossa forteleza
ainda resta o que ficou
do outro
o cheiro, o gosto,
 e  bálsamos do hortelã.
 
Mais um verão
e nossos méritos se perderam em feriados não vividos...
Mais alguns outonos,
dispersaram saldos de encontros marcados
inconsistentes
voaram como aves de rapina
  sobre as cachoeiras
os telhados das cidades
as primaveras e suas flores
loucuras do papelote,
do pó, do arco-íris e das bebedeiras.
 
Já de saída
fui  ficando mais sábio
com o passar dos anos
fiquei esperto no relato do agora...
 
Habito o corpo sempre
das nossas memórias,
que clareiam
solidificam
transparecem
incendeiam qualquer instante do universo poético
e na saída do nosso tempo
meu coração ainda amanhece incompleto.
 
Estou ficando mais velho
esticando a vida
sem que saiba do fim...
 
Sobre mim
a força da borracha do estilingue.
Passam-se os dias como passam cenas
intermináveis de uma novela bilíngüe.
 
Fiquei mais sabido do que ignorante
mais forte do que um gigante.
 
Escrevo a palavra certa
perpetuo nossa história
sentimento e plenitude
 contemplação da nossa vitória.
 
 
Estou preso entre a
forca e a corda
a carne e o sexo
o toco e a tora
o completo e o sem nexo
a pipa e o barbante
palpitante em nossa memória.
 
Meu poema não pertence à química dos ruminantes
transmutam palavras doloridas
recém-nascidas de um louco passado
ardil liberdade
verso quieto em águas voluptuosas
propagando a leitura de um amor algemado.
  
Somente observo a rabiola
das velhas batalhas
pipas que voam feito aves
gotejando idéias e corrigindo falhas.
  
Agiganto-me na palavra rasa
reinvento o texto
desnudo zepelim
 pauta que amordaça
cantam as ciganas e suas verdades
arremessam turbilhões de astros dentro de mim.
 
Ainda teço  meu próprio casulo
desfibrilo meu velho novelo de lã
fio a fio
pedra na lua
vela e pavio
noto a sombra do seu corpo
no silêncio que te levou.
 
Contorno a esquina do passado
arquiteto minha própria curva
enigmática como a lua
conjectura vilã.
A história é um telescópio...
 
Escrevo assim nas pedras ou
nas superfícies imperfeitas,
nas madeiras e nas planícies,
nos movimentos sensíveis de cada manhã
o que restou de mim
até que a vida me leve pro fim de cada noite
ou que verta sangue dos meus dedos:
 
ou que minha confissão sobrenatural fosse a única verdade
ou a certeza de que ambos pudéssemos existir dentro de mim.
 
 
 
 
 
Wildon-09/04/2011