A Moça Que Via Demais
Embora eu seja kardecista , sei respeitar as tradições e as diversas religiões do nosso imenso país. No interior " rezar para as almas" é uma tradição seguida por antigos e jovens moradores e que se renova a cada quaresma. Quando eu era criança ouvia os mais velhos contarem as histórias folclóricas dessa tradição e tinha muito medo de ver uma alma perambulando por aí , hoje cresci e me apavoro de ver tantos seres humanos sem alma.
O Brasil não conhece o Brasil...
Durante os 40 dias de quaresma
Eu era uma menina divida entre o folclore e a reza
No meio da noite em plena escuridão
Um grupo de pessoas percorriam as casas numa silenciosa procissão
Entoavam cânticos num dialeto cheio de louvor
Ainda criança assustada eu cobria a cabeça com o cobertor
O som da matraca era fúnebre e ecoava no silêncio alto demais
Tapava os ouvidos e soluçava com medo a menina de Batatais
Ensinavam que eu devia ficar quietinha e nunca abrir a janela
Caso contrário veria as pessoas e as alma atrás delas
No outro dia meus pais comentavam que fez xixi na cama a medrosa Raquel
Enquanto riam meu avô me ensinava a rezar o " Pai nosso que estás no céu"
Me abria o Evangelho e me ensinava a ter gratidão
Meus pais me enxergavam tão bem que nem perceberam que eu tinha visão
Numa noite de cantiga me levantei e toquei meus pés no frio chão
Já era uma moça e cobri meu colo vestindo um macio roupão
Lá fora apenas os cantadores para as almas
Me aproximei da janela com toda a calma
Ao abrir o vento fresco da noite me trouxe o cheiro de jasmim
Diferentes olhares se voltaram para mim
Naquela hora soube que a morte não é o fim
Um olhar viu naquela moça triste na janela
A inocência e a luxúria de ser uma donzela
Se aproximou e deu a moça a rosa mais vermelha e mais bela
Viu a dor e a tristeza estampada nos olhos dela
Depois sumiu como fumaça na pequena multidão
E a moça ficou ali segurando a rosa rente ao seio com emoção
Ela já havia crescido e de ver almas não tinha medo mais não
Quem nessa vida vê cara nem sempre consegue ver o coração ...