ANELO & MAIS
ANELO
Eu já não esperava, sabes? Percebia
nas tuas retiradas e retornos,
uma implosão de luz, de sonhos mornos,
que nunca, enfim, minhalma aqueceria...
Por isso me sentia deprimido,
eu me esforçara tanto, era constante,
e me sentia tão fraco e delirante,
por todo o meu querer ser devolvido...
E agora pronuncias, como um bem
que te pertence, meu nome, meu carinho;
mal ouso imaginar que, de mansinho,
amor tenha brotado em ti também...
não mais amor de amigo, nem de irmão:
mas, como homem, possuir-te o coração...
O título, Gamarra ou Martindale, foi excluído em função do som. É simplesmente o conjunto que prende o freio e as rédeas do cavalo. Metaforicamente, eu tenho de puxar minhas próprias rédeas para me conter do abraço -- ou a musa se encarregará de fazê-lo de per si... melhores votos, bill.
GAMARRA
a espera indolentE Se faz ouropel;
o anelo freqüentE Da dor sem quartel,
se esvai redolentE De néctar e mel,
e exclui, finalmentE Batina e burel.
a espera é inconclusA Mas torna-se bela;
a graça da musA Espelha-se nela,
após tanta excusA (A espera é por ela.),
abriu-se uma eclusA Que a dor me cancela.
se ela me amA, Meu corpo é exul;
se enfim me reclamA Às flores do sul,
meu peito conclamA Essa dama de azul...
aberto meu peitO, Eu venho me expor...
enfim reconheçO Quão puro esse amor
aberto seu peitO Em pleno candor...
Este é, naturalmente, um poema simbolista, um soneto duplo com oposição. Preciso dizer o que "as flores do sul" significam?
ALTERNATIVA
Que coisa antiga é o humano sentimento!
Repetido e infinito em gerações:
Mulher que encontra um homem e atrações
Rebrotam sem cessar nesse momento...
Um dia te encontrei, foi um portento
Que me entrou pelos olhos, emoções
Contraditórias nessas gradações
Que não se pode ter, sonhos ao vento!...
E como foi estranha a relação
Que nos uniu os dois, pois não querias
E então querias mais, porque sabias...
E agora se completa esta paixão,
Feliz, enfim, nessa alegria louca
De escutar o meu nome da tua boca!...
GIRÂNDOLA [pinwheel]
Nem sei bem se espero ou desespero;
As vezes que tentei, tu me recuaste;
Quando não mais esperava, declaraste
A intensidade do amor mais puro e vero...
Mas eu temo, tu sabes: se eu insisto,
Podes recuar de novo, oscilação
Que já assisti às pampas... emoção
Mais controlada que quantas tinha visto.
E agora, eis que me peso e me interrogo:
Será que me quer mesmo? Ontem, queria,
Mas e hoje? Vento impetuoso traz a chuva fria
Lavou seu sentimento e já não quer?
Só sei que penso em seus olhos e me afogo
Na hesitação, enfim, dessa mulher...
SOULMATES
Eu acredito, eu sei, que lá no outrora,
Antes sequer que nossos pais nascessem,
Eu te encontrei, tu me encontraste, embora
Nossos destinos a nós não pertencessem.
Não foi escolha nossa que cortassem
Os deuses uma alma feita em duas:
Que de tal modo então nos castigassem
Que as almas reviver tivessem nuas,
Sangrando de incompletas, se buscando,
Sempre se unindo, sempre separando,
Pela ânsia tão só de pertencer...
Duas almas companheiras se tocando
De leve só, depois se abandonando,
Porque seus corpos tinham de morrer...
CE[n]SURA
Nem toda a estrofe que passa por poesia
É bem assim -- são pura porcaria
A maior parte desses versos tontos
Que se ouve a bocejar, sem nostalgia.
Nem todo o verso que passa por harmônico
É bem assim -- seu esplendor agônico
É raso em dimensão, mudos repontos
Qual estrondar de jatos supersônicos...
Que os tímpanos nos ferem de escarcéu,
Mas só desgostam ao partir do céu,
Num esbater-se, enfim, de tapeação.
E nem um rastro deixam: só fumaça,
Que se dissipa em sonhos de pirraça
E nada nos desenha ao coração.
TATEANDO
Não penses que é o desejo que me atrai:
Ele virá depois, ao menos acredito;
Neste momento agora, eu só me incito
A te tomar nos braços, como vai
Uma criança aos braços de seu pai,
Para te consolar, ao som bendito
Desse teu respirar, sem mais conflito
Do outro sentimento que me trai.
Todavia, a falta é grande e tão sozinho
Eu me sinto nesta hora de emoção
Que nem sei se nem nisto vou insistir...
Quem sabe se meu gozo é mais mesquinho?
Pois nesta noite de longa solidão,
É de teu lado que queria dormir...
AGUARDANÇA
Por ti esperarei, por tanto tempo
quanto garanta o [e]terno sentimento
que despertaste em mim, inabalável,
nos séculos de outrora, num evento
que me fez rever em ti, num só momento,
de espantoso e total conhecimento,
aquela descoberta inexorável
que dentro em mim gravou-me tal portento
o quanto para mim significavas,
embora perceber fosse também
que a seres minha, muito custarás.
De uma só vez, meu peito conquistavas.
O que eu serei, bem sei; mas tu, porém,
como posso saber o que serás?...
INDIVISO
Tu sabes bem que nos será difícil
Modificar as vidas de improviso;
Por isso o coração tão indeciso
Conservas tal como se fosse físsil
E dividido em lâminas delgadas:
Até aqui é amor; porém, aqui,
É amor de filha e irmã; e logo ali
Percebes tantas emoções interligadas...
Não é assim comigo: eu sou inteiro,
Não me divido, eu sei o que desejo,
Sou permanente, sem qualquer paixão.
O que sinto por ti é verdadeiro:
Por mais que anseie, alfim, pelo teu beijo,
Prefiro muito mais tua alma e o coração.
ANUÊNCIA
São raros os instantes em que nos encontramos,
Mais raros os momentos em que haja concordância;
Nós só nos vemos sempre na frase de elegância,
Que de esgrimar rutila; e assim, entrelaçamos
Em combate verbal e então, à flor da pele,
Em carne viva os nervos, talvez por mais desejo,
Se conturbam e esbatem, quiçá no mesmo beijo
Que os lábios se dariam, apenas se congele
A cascata irrequieta e inútil que exaspera;
Porque nos condenamos à sombra desta espera,
Sem procurar, enfim, do ardor uma ocasião.
E alfim nos evitamos, temendo se revele,
Aos olhos dos estranhos, a mesma exultação
Que os beijos nos fizera gozar, à flor da pele...
COEMPÇÃO
De tudo o que me dizes, uma coisa é bem certa:
Passou-se o tempo em que negavas sentimento;
Agora consideras, já pensas no momento
Em que me acolherá tua alma deserta.
Ainda hesitas, bem sei, és tão esquiva,
Nesse teu caprichoso refulgir constante,
Em que o amor te acende e, solapante,
O medo se insinua ao coração, em viva
Inquietação, que nova resistência
Reforça para opor à minha consistência,
Embora sempre acabes por voltar...
Porque, afinal, tens tudo calculado,
Os prós e os contras, tudo sopesado
E já iniciaste o futuro a planejar...
TURBILHÃO
Acho que viste agora que a proposta
De minha parte, ao menos, é sincera:
Se a carne encontro ao meu querer disposta
Tê-la também a meu prazer quisera...
Não que isto represente desenganos,
Nem que este olhar que assim te pertenceu
Se afaste tão somente por levianos
Casuais encontros, desse olhar que é teu!...
Nem que eu só queira te possuir, menina,
Por desprezar depois, gentil bonina
Colhida ao torvelinho em que sofreu...
Mas é que o mundo é tão mais desumano!
E quem não tem um coração profano
Vê destroçado o sonho em que viveu...