Vislumbramento
Hoje fui a uma amostra de arte. Lá, percorri alguns setores e vi pinturas, traços artísticos que diziam muito e, outros, que eram apenas a arte pela arte. Conversei comigo mesmo várias vezes em meio aos murmúrios de muitos, vendo alguns bocejos desavisados. Dentre tantas obras uma chamou-me a atenção: um quadro pintado a tinta óleo. O nome do quadro chama-se a flor do desmonte. Era um misto de simplicidade de mensagens e de riqueza de detalhes. Passei a ir a esta amostra por várias semanas e sempre me deparava parado admirando o quadro estático que me falava muito nos entre-laços de um traço ou outro. Enigmático! Após alguns meses, algumas obras foram levadas para outros lugares e as mais importantes ficaram. Dentre elas estava a estoteante obra prima que sempre me tirava o fôlego. Deixe-me descrevê-lo: cores vibrantes, porém harmoniosamente postadas umas sobre as outras formando a imagem de uma bela mulher sinuosa como curvas de uma estrada de além terra. Ela, apenas sorria! Olhos lindos arrendodados e levemente adornados com pinturas faciais dignas de uma princesa. Cabelos longos que mais pareciam as águas enigmáticas do Rio Negro e Solimões. Pele sedenta de desejos, vestido sensual: uma deusa estática cujos movimentos são desnecessários, pois mensagens são ditas entre olhos, entre peles. Nesta obra prima, enxerguei-me por desejos lascivos e por outros infantis e inocentes. Passei a visitá-la semanalmente para tentar me redescobrir, me refazer, redirecionar meus olhares, me redefinir a partir dela. Findei achando-me nela ao ponto de desejar apenas ir até lá: até o olhar brilhante, até o corpo lindo e harmonioso que da tela parecia chamar-me pelo nome. Desejei ser a tinta que percorreu aquele corpo, a tinta que detalhou e que se misturou formando-me nela, não sendo mais eu e sim apenas a imagem bela de quem me faz tão bem. Hoje, apenas resta-me a saudade, pois não mais a tenho como ver. Em seu lugar, apenas o vazio, marcas de quem, por tanto tempo, ocupou um lugar de destaque. Hoje, grito: volta imagem minha! Quero apenas sentir o gosto da saudade de pensar em te ter quando apenas podia te ver! Vem, adormece meus desejos em tuas tintas! Adormece na tela dos lençóis de meu coração para que a minha visão volte a ser uma: a de te ter, ao menos, fora do alcance das mãos, mas perto de meus olhos, colorindo o sangue da saudade e da dor dos desejos de meu quadro-coração.
Carlos Maciel