ACORDAR A POESIA

Acordar a poesia

para saudar-te

a poesia que não há

nem se faz

no olhar

no branco do papel

a poesia deserdada

do campo de batalha

que já não sei

acordá-la

para saudar

em ti

aquela que persiste

para além de a dizeres

MORTA

para além de a sentires

deserdada

do campo de batalha

que já não sabes

que já não a sei

acordar a poesia

que celebre

ainda e ainda

meu nascimento em ti

teu nascimento em mim

nos tempos imemoriais

os tempos dos nossos tempos

os tempos no desconcerto do mundo

desconcertos em nós

desconcertos de nós

os tempos a se esvair

no sempre vão

dos dias vãos

dos ciclos...

nós no redemunho do mar

sem terra à vista

nós no redemunho do sertão

de veredas sombrias

nós no redemunho dos nós

de impossível desate

nós os náufragos

só de lágrimas secas

só de lágrimas secas

na alma velha

de sonhos velhos

de mortas palavras

acordar a poesia

para saudar a alguém

ainda possível

em nós

a poesia que não há

caatinga

retirante

bois só ossos à mostra

a seguirem conosco

o olhar perdido

os passos perdidos

a lugar-nenhum

de tempo-nenhum

Acordar a poesia que não há.

Na manhã de 24 de março de 2011.