Insuspeitos

Quando a lua alunissar sobre a sacada

e pôr cortinas de luar no casario;

quando as janelas fecharem

suas pálpebras pesadas

e o silêncio pernoitar nas oficinas;

quando as trêmulas pupilas de néon

vigiarem a insônia das vitrinas

na fria palidez dos manequins:

tu terás, por espelho, aquela estrela

onde, à noite, nossos olhos se encontram...

Quando o sono de concreto da cidade

não ouvir a sinfonia dos motores

e o balé dos passos transeuntes

se evadir do tablado das calçadas;

Quando exaustos os amantes naufragarem

envoltos nas velas dos lençóis

e os cães abandonados farejarem

um rastro de afeto nas lixeiras:

por maior a distância entre nós,

é menor que o elo que nos une.

Quando à sombra das marquises se exilarem

os perdidos que na noite se encontram

e os gatos em orgia musical

arranharem a lua nos telhados,

quando em código secreto e universal

as estrelas dialogarem com os lagos

e os relógios de parede se insurgirem

golpeando o sossego dos tijolos,

quando tudo morre um pouco em desaviso:

insuspeitos conspiramos conta o tempo...