A ÚLTIMA CRUZADA

A ÚLTIMA CRUZADA

(vencedora do Prêmio Escriba de Poesias 2002)

Deixa entrar o teu cruzado, ele vem cansado dos embates

traz na manta o pó da terra santa

e sangue na ponta da espada;

bate à porta da amada, entre a noite e a madrugada

cruzou os montes, os vales, os bosques

sorveu todas as seivas, maculou caminhos

para vir agasalhar-se no teu ninho.

Deixa entrar o teu amado, abre as portas

as janelas escancara, venezianas,

não defenestres o sonho, não olvides

o bardo de antanho, ora submisso;

acolhe-o em teu castanho colo, banha-lhe o corpo

e fá-lo teu humilde amigo.

Deixa entrar o cansado andante, guerreiro

em outras terras, de outras gentes

herói ignorado, lança em riste

extenuado das cavalgaduras.

Deixa-o invadir tuas entranhas

derramar nos teus ouvidos palavras cruas

algaravias estranhas, aprendidas entre mouros e ciganas,

desfalecer nos teus braços, em vão combate.

Deixa-o, não é templário, é só um vate.

Deixa entrar o teu amado, pois agoniza

sê o bálsamo, o ungüento que batiza

ou sua extrema-unção;

desata-lhe das vestes as ilhargas

pensa-lhe as feridas, cura-lhe as chagas,

ah, como foi longo seu calvário!

faze das tuas fronhas seu sudário,

és o fim da longa estrada.

Vê, há rouxinóis em revoada

o campo é manto verde e a lua já não tarda

deixa entrar o teu amado,

abre-lhe o peito, serve-lhe o vinho

faze do teu leito o campo de batalha

que é no teu corpo sua última cruzada.