Encantada
Toda vez que meus pais chegavam em casa eu estava ouvindo um clássico ou uma ópera bem antiga. Um dia eles questionaram irritados porque eu gostava desse tipo de música e foram mais além, queriam saber porque eu me identificava tanto com os Poetas e compositores já falecidos. Não queria nem podia mentir para os meus pais então disse a verdade:
Eles me fazem companhia.
Moça de um sentimento visceral
Quase uma feiticeira que desconhecia a dualidade entre o bem e o mal
Segurando o braço de Tchaikovsky o teatro adentrou
Do lado dele delicadamente ela se sentou
Ao abrir as cortinas os primeiros acordes pelo silencioso teatro ecoou
Com a leveza de um cisne branco os olhar dela com o dele se encontrou
Talvez a visse como a mulher ideal
Ingênua , bela e angelical
A palpitação no seu peito denunciava contrastes demais
Então mesmo meio sem jeito segurou com firmeza a mão da moça de Batatais
Poucos amigos e nenhuma paixão
Dentro dela a arte se fez refúgio para o esconderijo da solidão
Assim que a sapatilha do cisne negro tocou o chão
Ficaram marejados um par de olhos enegrecidos pela emoção
Só existe luz onde existiu a escuridão
Lábios trêmulos prendendo a respiração
Uma menina sentada como uma mulher numa poltrona de veludo
O compositor do seu lado segurando sua mão num pedido mudo
As vezes a mulher sedutora e sensual
Diante do palco a menina dual
Ora o anjo doce como o mel
Ora o pecado amargo como o fel
Enquanto o Princípe Siegfried era seduzido pela feiticeira Odile
Tchaikovisky se sentia seduzido pela emoção da jovem Raquel
A olhava de soslaio com profundo encanto
Seria ela um cisne negro ou um cisne branco?
Era o contraste entre o sorriso e o pranto
Em seus devaneios até poderia imaginá-la nua mais jamais sem o manto
Dentro de mais alguns minutos os aplausos fervorosos iriam ecoar
E suas mãos iriam para sempre se desvençilhar
Mas a arte não se prende a tempo, nem espaço ou lugar
E no ato final antes do balé acabar
As luzes se apagarem e a cortina se fechar
Ele olha para o rosto delicado dela
E vê ao som de sua sinfonia uma lágrima rolar...