A LENDA DO CUPIDO

Um anjo no céu,sonhando,

Desejou provar o amor na Terra.

Vestiu-se com um véu,tomando

Um aspecto humano e desceu

Entre sagrado e profano.

E então sondando o que de secreto havia,

Ouviu dentro de si um estalo,

Eram as asas se fechando,era o corpo se abrindo

Para a profunda letargia da alma,agora adormecida

Para as glórias do céu e de Deus.

Disfarçado de humano igual,

Procurou na Terra a semelhança

Do seu amor imortal.

E eis que o que vê não vê nem sonha

A musa em si passando,somente a sombra leve e esguia

De uma angélica figura,perversa e casta...

Tenta o anjo,roça-lhe as asas

Imaculadas,puras,que bem sabia

Que olhos celestes,secretos,a seguia.

Depois de alimentada a chama,

Em desprezo a sombra foge,

Mas o fogo agora experimentado

Pelo anjo,torna-o escravo

Daquilo que descobrir queria:

O amor humano,o pecado inicial da paixão.

Agora,com o segredo no peito,

Sente o primeiro pulsar,desfeito,

A faltar-lhe o coração.

E louco,louco,grita o nome imaculado

Do amor que o pôs insano...

De repente,entre lágrimas,rouco,

Sente o coração arrancado

Nas garras do amor profano.

Foge à sombra que seguia,

Fecha-se à própria sombra enegrecida

Por pensamentos loucos,loucos,

Louco,no coração não havia

Motivos para pulsar a vida.

E quanto mais grita,e quanto mais corre,

Mais cresce a sombra em formosura,

Sente que já a um passo da loucura

Em todas as pessoas ele vê

A sombra que o mata com ternura.

Busca num último gesto os olhos da amada

E vê no fundo deles a sombra vil,perfeita,

É ela,é ela,a imaculada vindo buscá-lo!...ele aceita

Os braços do amor,estendidos,

E sente,nunca antes acontecido

O toque do amor imperfeito

Fazendo vibrar em loucura

A forma angelical desterrada.

E sente que a sombra anima

Um corpo,mulher,menina,

Sobre a ilusão que o matava

Mais com amor que com ternura.

Vigia o céu a figura

Do anjo-homem transtornado

E vinga-lhe o pecado

Do sentimento mais puro.

Tira-lhe as asas,rouba-lhe o arco,

Deixa-o em si,inseguro,solto à sombra,agora cego.

O anjo tomba pálido,pálido como o enigma dos sábios.

Tomba morto,morto,trágico,não mais anjo,homem,mágico,

Cai no enigma dos sábios,

Tomba morto,morto,tácito,

Com um sorriso nos lábios.

Gilberto de Carvalho
Enviado por Gilberto de Carvalho em 16/10/2006
Reeditado em 14/08/2009
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