Complexa vida simples
Cheiro bom de chuva da noite
Caída e adormecida nesse chão outrora quente
Tudo muito simples no que vejo agora
Tal como um marimbondo na folha seca do coqueiro que caiu
Ou no avançar equilibrado e poético do homem em meio a horta
A couve, o alface, a pimenta, o tomate e o choro da criança ao longe
As coisas já não são tão simples assim
Na cidade suja e feia que se tornou Belo Horizonte
Homens e mulheres perambulam e atropelam carros e pedestres
Outros e outras dormem sob as marquises ainda cedo
O calor arranca um suor ardido que abate olhos já avermelhados
Um barulho ensurdecedor não se cansa de berrar
Crianças não choram, são adultos em miniatura a andar depressa
E os automóveis definitivamente se esqueceram o que é gente
A vida não é fácil. Quem não sabe disso...
Mas pode ser simples
Um pouco de civilidade e paz não faz mal sequer ao cachorro perto da padaria
Andamos rápido demais e carentes demais
Um bom dia sempre é pouco nessa cidade da poeira
Corre-se atrás da couve já morta
mas também do coletivo, do carro que acelera ainda mais e do dinheiro sempre pouco
A esquizofrenia ataca e as pessoas conversam pecados da solidão
E dá-lhe mais correria
Passamos um, dois, três e lá vem a chuva.
Na cidade e no campo, duas vidas
Duas chuvas,
Duas crianças,
Dois cheiros de gente e de natureza viva e morta
O simples e o complexo
E agora estou aqui vendo esses carros passarem e com um sono danado.
Cai a chuva feia
E nem posso deixar um milímetro meus olhos descansarem.