DE VOLTA AO COMEÇO

Inverto o movimento do ponteiro do relógio

e tudo volta a ser como antes.

As plantas diminuem de tamanho, voltam à forma de semente

e o sol começa a retroceder e,

em curtos passos, refaz o seu caminho.

A noite entardece, e a manhã

reaparece como uma ave que voltou

de uma longa viagem rumo ao sul,

sob o sol encarnado de meu lugar.

De repente, vem o sono

e a manhã anoitece, um véu caindo

sobre a paisagem de sempre.

E de repente eu me vejo ao teu lado,

abraçado ao teu corpo, sob o lençol.

E a noite lá fora é fria...

E a noite fria passa.

E uma tarde se anuncia.

Outra manhã.

Noite.

Dia.

Noite.

Dia.

Até que eu te vejo pela primeira vez

e sinto o prazer imenso do milagre

crescendo em meu corpo

e em minha alma.

Mas agora sei que é para sempre,

sei que sobreviveremos à dor, ao ciúme,

sei que as lágrimas não matarão o riso,

sei que estaremos juntos,

por muitos dias,

muitas noites,

sei que terei saudades,

e matarei as saudades ao te reencontrar,

ao te rever depois de dias,

e, sem medo algum,

solto o ponteiro do relógio

e deixo o tempo correr

novamente,

limpo,

frágil,

para muito além do que eu sei,

para dentro de mim.

Mas o tempo só segue adiante

com suas névoas, seus mistérios sagrados.

E todos os dias erguemos pontes

para fazer sem temores

a longa travessia.