COMPREENSÃO

Ninguém consegue amar,

com mais perdões,

um artista, do que outro artista,

quando os dois estão em estado de criação.

Eu vi,

No cenário da cidade

que me sacode todos os dias

com seus movimentos de amor e de ódio,

com seus quadros sacrílegos e adros sagrados,

um mendigo,

com as mãos sujas de vícios irretocáveis

e as unhas encravadas no precipício

segurando as mãos sujas de nada absoluto

e as unhas sem esmalte e cheia de arestas

de uma mendiga.

Eram dois namorados extasiados

frente ao encontro da luz no final do túnel.

Havia na cena do ato tanto carinho

que dos olhos dela

dois rios salgados nasceram furtivamente

inundando minha alma.

Havia tanto brilho escapando dos olhos dele

que as migalhas que o cercavam

transformavam-se em estrelas

dentro de um céu sem gemidos e sem arrependimentos.

Eu vi.

Ninguém consegue amar,

com mais perdões e com mais abundâncias,

um mendigo, do que uma mendiga

quando está em estado de plena singeleza.

E vice-versa.