É ela! É ela! É ela! É ela!

É ela! é ela! — murmurei tremendo,

e o eco ao longe murmurou — é ela!

Eu a vi... minha fada aérea e pura —

a minha lavadeira na janela.

Dessas águas furtadas onde eu moro

eu a vejo estendendo no telhado

os vestidos de chita, as saias brancas;

eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido,

nas telhas que estalavam nos meus passos,

ir espiar seu venturoso sono,

vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! que profundo sono!...

Tinha na mão o ferro do engomado...

Como roncava maviosa e pura!...

Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso...

Palpitava-lhe o seio adormecido...

Fui beijá-la... roubei do seio dela

um bilhete que estava ali metido...

Oh! decerto... (pensei) é doce página

onde a alma derramou gentis amores;

são versos dela... que amanhã decerto

ela me enviará cheios de flores...

Tremi de febre! Venturosa folha!

Quem pousasse contigo neste seio!

Como Otelo beijando a sua esposa,

eu beijei-a a tremer de devaneio...

É ela! é ela! — repeti tremendo;

mas cantou nesse instante uma coruja...

Abri cioso a página secreta...

Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

por Álvares de Azevedo

Zorro Poeta
Enviado por Zorro Poeta em 21/06/2010
Reeditado em 21/06/2010
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