O AMOR É TRISTE

O amor em si é triste:

quem ama, ganha o quê?

Ganha nada, perde tudo,

fica mudo,

quando o trem parte.

De vez em quando há festa

na casa do amor.

É quando um olhar se perde em outro,

quando o beijo surge espontâneo,

e os corpos, em rito sacro e profano,

decidem ser um só.

Ah, o amor é mesmo triste!

O amor pressupõe amar

aquilo que é amaro,

aquilo que é dor.

Veja a mãe trazendo no colo

o filho que arde em febre.

Veja o pai falando ao vento

ao menino de olhos perdidos

em algum detalhe da parede.

O amor dói

se quem se ama termina antes,

em um segundo fatal,

em um momento de desvario.

Veja a Pietá.

Veja Laocoonte.

O amor é o filho que chora

pelo pai perdido no torpor do álcool.

O amor é o filho que sofre

as dores da mãe no leito de morte.

O amor está nas mãos

de quem conduz o amigo cego,

de quem visita o esposo na prisão,

de quem beija o rosto do morto.

O amor é rir com o outro,

é sentir a dor do outro,

é pedir para morrer

no lugar do outro.

O amor é o mistério mais simples,

o enigma mais fácil de se decifrar.

Encarar o amor é encarar a verdade.

Sim, se o amor é triste,

quero viver a tristeza.

Quem não ama vive?

Quem não ama é triste?

Eu quero é viver a tristeza plena

de acordar cheio de saudade

de um olhar,

de um beijo,

de um abraço.

Quero sofrer ao ver meus filhos partirem

para suas próprias e íntimas lutas.

Quero sofrer só de pensar

que a mulher a quem me dei por inteiro

pode partir antes de mim.

Quero o desassossego do amor,

a festa, a fuga, a fome.

Quero a dor de amar e a cegueira.

Mas quero, sobretudo,

chegar ao final do dia e dizer:

amei, sofri, mas vivi.