Sol e Chuva
Escapa, de dentro do cárcere de minha mente, uma interrogação indevida: “Por onde tu andarás”?
Exiladas de nossas tardes de antes, gaivotas, em vôos rasantes, rapinam o relembrar de nós dois.
Não há respostas precisas: as bússolas da memória insistem em apontar o rumo de uma vida que já se foi.
No molhe do cais, desterrado, ausculto tua imagem fugaz, olhos pregados na linha do horizonte, noutros páramos a navegar.
Infinitas vezes tentei extirpar-te de mim, esquecido que és tatuagem em meu corpo gravada, companheiros da mesma viagem.
Impossível exorcizar teu feitiço: teu olhar de gazela assustada, teu beijo cheio de viço, teu inusitado chorar orgasmando,
Tua quente pele sedosa, teus lanosos cabelos macios, teu perfume da garganta exalando, são pérolas em nosso quarto-concha gerando.
Ao garimpar nossos muitos momentos, Sol e Chuva vou encontrando - Gênese e Apocalipse se misturando na mesma bagagem.
Meu amor, quantas lanças cravaste em meu peito? Quantas mais tu irás me atirar?
Teu silêncio é alimento de Górgonas, tua voz guia Orfeu na subida, aplaca a ira de Hera.
Não te ter é jazer moribundo ainda em vida; ser privado de ouvir-te é ser repasto de fera.
Onde estás? Onde andas? Há milênios não te sei. Como hei de saber se te calas, se comigo não queres falar?
Para quem ama, a voz do ser amado é um tesouro dos mais importantes. Quando a voz de quem amo me falta, é como se um precipício intransponível se abrisse a minha frente. É quando a voz da pessoa que amo funciona como ponte para que este hiato seja vencido.
Cidade dos Sonhos, manhã de Quarta-Feira, meados de Junho de 2010
João Bosco