Hipótese

Não se, o mundo se dobrasse aos preconceitos,

Se não negasse silêncio à justiça,

Calando-se ao pé dos altares,

Dobrando-se hipocritamente ao perdão.

Não se, o sol brilhasse sem discriminação,

Se a chuva molhasse meu rosto em carícias,

E o vento não chicoteasse meu corpo.

Não se, as areias brancas

Deixassem de serem lâminas cortantes,

As rochas refúgios, segredos pecaminosos.

Não se, a luz quebrasse a penumbra,

Iluminasse o todo azul,

E se a voz se calasse a violência,

Sorrisse sem vez, sem hora, sem quando,

Apenas sorrisse, na breve e lenta contração,

Não se, já não houvesse outro caminho,

Sempre a mão estendida mendigando,

A palavra faminta implorando,

A lágrima amarga quedando,

Enlaçando uma festa,

Neste ponto chamado vida.

Eu estaria na janela, mas...

Não se, ainda passasse a amargura

Alheia a tantos, alheios a tudo,

Perseguindo palmo a palmo, cada minuto,

Tempo e hora espaços, loucos louvores

Em degraus que gemem.

Não, não se eu deixar de ser sangue, vida,

Esta fonte humana que rola em cascata

E explode contra as muralhas.