Oração de Orfeu
Senhor dos mortos, ouve minha prece!
Venho pois em tua presença,
Perdido e sem esperança.
Ouve então, vos peço em agonia, minha prece.
Não estou a desafiar vossa autoridade,
Apesar de ainda vivo cá estar.
Pois, ludibriei Caronte por amar em verdade,
Não me cabe mais tempo e hora a aguardar.
Se meu pleito é vão, Ó Senhor, que aqui fique
Junto de minha agonia e pesar.
Assim estarei livre e perto da minha Eurídice,
A única, em vida e na morte, que eu sei amar.
Por ela noite e dia minha lira soava,
Na imensidão do nosso amor.
Porém funesto era o augúrio que nos aguardava,
Vertendo o gozo em imensa dor.
Himeneu já havia dito, que Aristeu
Maldito meio-irmão meu,
Haveria de separar da alma gêmea
O mortal que aqui implora tua clemência.
De suas investidas galantes fugia
A minha amante, mulher e menina,
Até que seu passo em falso dizia
Que a dor de Orfeu se inicia.
Caida na grama jazia inerte
Pois o vil veneno corria na veia.
A serpente insensata que a tudo perverte
Deu laço mortal na vida alheia.
Senhor me entenda, no alto da minha dor
Desci as escarpas de Tenaros;
Se ouso estar aqui, apenas por amor,
É por querer ouvir com Eurídice o alvoroço dos pássaros.
Permita, Ó Plutão, abrandar meu sofrer!
Desejo mais uma vez poder ver
A causa da minha aventura, e com ela
Sair desta terra escura, para onde a luz é bela.
Todos nós um dia, Senhor, a ti retornaremos;
Pois a tesoura das Parcas é iminente.
Deixe-nos completar os dias terrenos
Para sem mágoas voltar cá, serenamente.
Assim sendo, Ó Plutão, estará minha lira
Em eterna gratidão por ti.
Que caia sobre mim tua ira, se digo mentira,
Eternamente feliz tocarei aqui.