Pecado Original.
É um rufar circunspecto e grave
nas poderosas asas dessa ave;
um falcão que plana e desce
sobre os ombros do menino
como se a bênção do peregrino
fosse uma luz do infinito
incidente ao pé do monólito
de minha figura vã...
Eu recordo,a serpente e a maçã
e, como esse Adão do Paraíso,
esqueço a prudência e piso
sobre a cauda peçonhenta
que se curva e se arrebenta
sob o meu peso descalço...
E a sombra do cadafalso
é mulher desnuda e linda,
desgraça atraente e benvinda
como a própria sedução;
forçando o voo do falcão
porque já sabia da escolha,
enquanto despia a folha...
Como é doce o despertar!
Pisar no solo do planeta
recém-chegado num cometa,
sentir o sangue nas células
e o luzir de luzes cérulas,
antecipando a hora do amor!
Mas a opção foi pela dor
e o meu corpo forasteiro
é outro falcão aventureiro
que se reduz ao ciúme...
Com um rastro de perfume
Eva transformou-se em Medéia;
pra despertar afinal a idéia
de que agora eu sou um homem,
e, enquanto os anos se consomem,
eu vivo o sonho do arcanjo
que desistiu de ser anjo
sem uma dúvida sequer,
só para provar da mulher...