A Mesma Esquina da Sua Nova Escura Esquina
Por mais que passe o tempo
e eu ande em outras vias que acessam outras histórias
por mais que eu queira e invista
e me machuque por outros campos
e eu vista outra capa
empunhe outra máscara
envergue outra espada
declame outros versos
defenda outra tese
mude o trajeto
cerre janelas
escute outros grilos
engula sapos
mova a roda
trave o breque
trague o beque
mude a régua
assole a égua
meta o pé na jaca e bata a canela na quina
mastigue o cravo
aspire a nicotina
deseje morfina
mude a dieta
escolha a reta
encurve de banguela
engarrafe a viela
irrite os passantes
maltrate o atendente
socorra o pedestre
encare o farol
encarete de vez
encane e desencane
suba a trilha
ensurdeça no agudo da corda
no grave dos tons
caixas e bumbos
emudeça em minhas próprias cordas
soluce sobre o colchonete ouvindo os sinos
e ouvindo os sinos transborde os olhos
me encharque
me seque
me encolha
me recolha e me expanda
me torture
me boicote
me anule
escarre a alma e a recolha pelos poros
quebre os espelhos
durma acordada
entreveja novos rumos
acorde dormindo
me engabele com um ou dois doces
e uma estrelinha marrom
ande de luz alta e de olhos fechados
querendo a morte, qualquer que seja a sorte
e minha sina torta se endireite
pra se entorpecer de novo na mesma esquina
a mesma esquina
sempre a mesma esquina...
Por mais que o céu se faça rosa
e a lua surja densa e amarela na vastidão dos sinos,
não esqueço seu abraço
e nele me deito
me enlaço
me incrusto.
E me perpetuo, bebo sua fonte
ternura que só eu reconheço
no escuro da sua nova esquina.
Sou sua.
Pra sempre.