Pensamento em uma tarde de inverno II...

Fui princesa e fui rainha em outros tempos...

Fui flor... Meu perfume inebriava

E despertava sonhos doces e desejos loucos...

Mas tudo tem um fim...

“...Para sempre” é muito tempo!...

“- Não somos nós os mesmos de outros dias...”?-*

A palavra dita perde força com o passar das estações;

O rosto vai se perdendo na lembrança

E o som da voz se confunde com outras vozes

E a lembrança do beijo perde sua magia...

Quem somos hoje, com o passar dos anos?...

Se, na juventude, a coragem

Nos animava a perseguir os sonhos,

Agora nos procura a mansa calmaria...

A quietude, a mesmice talvez, tão depressiva ...

O silêncio tomou conta do falar e do escutar...

É mais tranqüilo, é mais seguro, assim ficar...

Se um dia se buscou a essência de uma Vida,

A essência do Amor não faz guarida,

Hoje mais em nossos corações...

- Por que arriscar? Por que mudar? ‘Stá tudo bem...

E envelhecer... Esquecendo as lembranças

Do que foi, um dia, o objetivo a que lutar...

Fomos... Não somos mais os mesmos... Somos outros...

E assim seguramos nossas mãos vazias

E nos contentamos com o nada...

- Mas a seiva da Vida me consome

E eu renasço das cinzas, tal qual Fênix!

Recuso-me a assim cruzar os braços

E ver a Vida a passar por mim...e eu concordar!

Eu tenho as labaredas da paixão

E a insensatez de quando era menina!

Eu quero sorver a vida a cada instante

E me arrepender apenas do que eu não fiz!...

Eu quero!... Eu não me entrego!... Eu não me rendo!...

Talvez eu descenda das velhas Amazonas!

Eu não sou a Bibiana de Veríssimo

Fadada “a amar, sofrer e a esperar...”*

Eu estou mais para o sangue farroupilha,

Ou mesmo a ser como os Lanceiros Negros***

Que morreram sabendo estar encurralados

Mas lutando por sua terra e liberdade!...

Talvez eu tenha o sangue de Anita****

Que seguiu Garibaldi mesmo prenhe

E nas lutas partejava e levantava

Empunhando a lança ou a espada ou o facão

Ainda suja do umbigo do menino...

(...)

Eu sou doce como os riachos das campinas

Mas também sou cachoeira represada,

Que luta contra os diques do caminho

E se arroja aos borbotões rompendo em águas

E levando tudo por diante em seu caminho...

Fui princesa e fui rainha em outros tempos...

Fui flor... Meu perfume inebriava

E despertava sonhos doces e desejos loucos...

Mas tudo tem um fim...

- Mas eu não tenho!!...

Eu lutarei até o último suspiro

E assim descansarei na terra de meus pais

Sorrindo... Pela luta do dever cumprido

De viver sorvendo a Vida, com sabor, até o fim...

............................................................

* Alusão ao Poema 20 de Neruda (Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada).

** Bibiana era, para Érico Veríssimo, a típica mulher gaúcha, que tinha "a sina" de "Amar, Sofrer e Esperar..."

***Os Lanceiros Negros foram mortos em condições desiguais, à traição, pois se lhes havia sido prometida a Liberdade após a Vitória, mas não havia "por alguns" o interesse em dar-lhes esta liberdade; foram "bucha de canhão" e eram "mão de obra barata"... Já que fora prometida a Liberdade, era melhor matá-los do que vê-los livres...

****Anita, a companheira de Garibaldi, o "herói de dois mundos..."

ESPERANÇA
Enviado por ESPERANÇA em 26/05/2010
Código do texto: T2281405
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