UTOPIA D'AMOR
Uma reedição de AMPHORA,
o meu primeiro texto colocado aqui.
Agora, com o título que há muito merecia.
Dedicado a todas as pessoas que têm tido
a paciência de o ler. SIM! É preciso ter
paciência, até se chegar ao FIM!!!
Como em tudo na VIDA.
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Encontrámos aqui o vinho, o gelo, o copo, o silêncio,
num lugar ermo de terra feito
e madeira velha por tempo:
o ressuscitar dos nossos sentidos e voz;
a escrita germinando
nos degraus húmidos do resistir.
Não há inverno nem verão. Ninguém fala.
Escuta-se o rumor do vento, se o vento sopra,
o silêncio da casa, da amphora.
E há vinho: natureza fresca.
E há mel, recolhido cuidadosamente no ano anterior.
Encontrámos aqui o vinho, o gelo, o copo, o corpo.
E fizemos amor.
*
Que casa querer depois desta casa?
Que corpo desejar depois do corpo ali?
*
Molhámos os corpos nos riachos
gerados no interior da neve e da montanha,
irmanados naquela mútua recompensa de gurgitares:
nós e as fontes; nós e as pequenas quedas de água,
no verdadeiro silêncio da terra.
*
Não havia memória.
Havia chão.
*
Às vezes, sentávamo-nos nas gotas de orvalho,
suspensas na relva
e revíamo-nos nos espelhos das nuvens dispersas,
vagueando em sonhos.
Adormecíamos, por vezes.
Acordávamos tão leves...
*
O frio não era motivo de abandono.
Habitávamos a casa, as réstias de sol,
a luz matinal coada na limpidez do espaço.
Fazíamos o jogo paciente da aranha tecendo a sua rede.
Seguíamos-lhe os movimentos.
Apreciávamos a lentidão das suas esperas.
Sentíamos pena das suas vítimas.
Como libertá-las, sem quebrarmos os ténues braços da prisão?
*
Era o equilíbrio natural que absorvíamos.
Amávamos. Conjugados no todo de um ambiente primordial.
E quem somos, para podermos quebrar o sossego da harmonia,
construída em todos os recantos
deste terno e pequeno mundo?
Sentávamo-nos, por vezes, no musgo.
Na frescura da terra semeada de pinheiros.
Viajávamos, depois, aos confins do eco
e nossas vozes regressavam mais quentes.
De amor.
*
E quando a mágoa espreitava
sob um sorriso,
dizias somente:
a noite só vem
quando os olhos se fecham de cansaço.
Antes, é a sempre e repetida loucura
dos encontros sem fim, sem fundo,
no outro lado do mundo.
*
Era a manhã vinha ao nosso encontro.
Em busca de um beijo húmido,
nascido no interior da noite.
Caminhavas pela madrugada preguiçosa
e removida das entranhas do desejo.
Amanhecia. Ou eras tu que caminhavas
à procura de um silêncio
envolto em nevoeiro matinal?
*
Respiravas sonhos inteiros
à medida dos teus olhos erguidos
na direcção da luz.
Havia um sol razante no arvoredo.
Um reflexo enorme na tua mão.
E o frio ainda não tinha nascido.
*
Brilhavam auroras nos teus olhos.
Nos teus cabelos batia o vento.
E as searas permaneciam atentas
ao lento declinar da tarde.
Um sentimento natural unia-nos
ao cheiro cinzento da terra.
Como penetrar a penumbra do sol,
sem desperdiçar o tempo da erva?
*
Baixo os olhos à torrente de água que nos liga.
Os teus olhos prendem-se atentos
ao lento declinar da tarde
e espantam-se.
A água não mais é cor de água.
Transporta, num turbilhão de nervos,
nosso sangue,
à procura de repouso
no interior mais fundo da terra.
*
Uníamos o cheiro da terra
ao intenso florir dos nossos olhos,
no espanto natural de termos mãos.
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lisboa.outubro.2007