Eu não sei odiar

Amor, então,

também acaba?

Não, que eu

saiba.

O que eu sei

é que se transforma

numa matéria-prima

que a vida se encarrega

de transformar em raiva.

Ou em rima.

Paulo Leminski

Não sei, mas me parece estranho...

Primeiro, foi um pessimismo meio que oculto. E a sempre presente pergunta: e se não der certo?

Como se a certeza de existir um iceberg no meio do caminho fosse maior do que a segurança oferecida pelo navio.

Depois, foi o rompimento. Um sempre dizer que me ama, mas apontando para um amor destrinchado, explicado, justificado; cheio de ressaltos, apontamentos, mas e poréns...

Como se amar fosse estante com prateleiras para cada tipo e situação e necessidade e querência.

Em seguida, o pedido mais estranho que poderia haver: deixe-me protegê-lo de mim. Como se amasse Dr. Jekill que, a bailar sobre um fio de navalha, poderia transformar-se abruptamente em Mr. Hyde, a pura essência maligna.

E por fim... o silêncio e o gelo. Exatamente como se achassem que a anestesia fez efeito e a cirurgia começasse com o paciente ainda desperto.

Digo, digo, digo

Não me canso de dizer:

Se escolhi o perigo

Dá-me direito a sofrer.

Sei, o problema é consigo

Da tristeza ganhar consigo

Dá-me a chance de vencer!

Choro, choro, choro

Já me cansei de chorar.

Se não durmo, se te adoro

Se não como, deixe estar!

Na casinha onde moro

Faz três dias que não oro

Problema é não mais rezar...

Tonto, tonto, tonto

Tontura, deixa-me em paz!

Desdém é com que me confronto

Ah, fosse eu outro rapaz...

Mais rico, mais belo, no ponto

Mais alto, mais velho, e, de pronto

De amar-me seria capaz!

Foi então que, em determinado momento, ecoou o pedido dos mais absurdos já proferidos desde o pecado de Adão. Como se pode pedir a alguém que pense algo mau de si? Com o intuito de proteção, querer que se pense de si qualquer coisa, que se sinta qualquer coisa, mesmo que seja raiva.

E foi aí que mais uma vez este pequeno poeta causou desapontamento:

Não quero, não quero, não quero!

Teu pedido não vou escutar!

Se o futuro que sonhei não é vero

Deixe-me desta dor desfrutar.

Vai tentar ser feliz, que eu espero;

Só que eu vou ser sincero

Tentei, mas não sei te odiar!

E agora dou a mão a Leminski, que traduziu o que sinto.

A raiva que seria para eu ter virou poema. Uma borboleta.

Sinto muito por não entender...