QUE SEJA POESIA

Nem sei se é poesia,

Ou somente história contada,

Da anciã versejando prosa,

Falando do homem formoso,

Que lhe arrebatara o coração,

Num baile que não esqueceu.

A varanda lhe acobertando,

O gato sentado aos seus pés,

A velha cadeira surrada,

Sorriso feito das lembranças,

E eu ouvidos atentos no poema.

O baile, a sanfona chorando,

Casais dançando a distância segura,

As moças sentadas em bancos,

Lampiões pendurados nas paredes,

E ela ali, esperando seu amor.

Chega o homem garboso,

Terno de linho azul marinho,

Chapéu refinado, cravo na lapela

Rosto forte, riso sereno, gentil,

Aproxima-se mais e a convida pra dança.

O coração dispara, o rosto cora,

Olhar na mãe que lhe cuida à distância,

A resposta silenciosa do aceno,

A mão que se estende,

O braço que a envolve,

As mãos que se juntam,

A vida que recomeça.

Veio o pedido, o consentimento,

O enxoval, a casa que era erguida,

A festa, flor de laranjeira,

A capela, a benção do padre,

A noite, o medo, o prazer,

A barriga, as dores, a parteira,

Mais uma vez, e outra e outra.

A tarde vai se passando,

O sol de inverno aquenta,

A sonolência toma forma

E ela cala, e a tarde a cala,

E continua tecendo, agora em sonhos,

Todas as cores e aromas da minha história.

Não sei se é poesia,

Mas eu queria que fosse,

Assim até me arriscaria contar,

Que o homem garboso,

De quem ela tanto lembrava,

Não por acaso que é,

O pai deste contador.