A carta...
A carta que não li hoje faz dez anos...
Papel pálido, lembrança dos meus dias insanos...
Tempos onde noites longas eram os meus dias
E me encontrar era missão difícil que tu sabias...
Um envelope pesado pela balança da mão
Fechado com tolo vigor protegendo o coração...
Tão logo o retive entre meus trêmulos dedos,
O segredei no fundo da caixa dos meus medos...
Julguei que nunca abri-lo seria mal necessário,
Se o tivesse feito qual seria o bem contrário...
Ah, esses anos alucinados por encontrar alguém
Que me faça descobrir o remetente que esse papel tem...
Te manejo diante dos olhos com dúvida e incerteza,
Sinto-o quase sem vida, selado por mão indefesa...
As letras bem torneadas desenham à tinta meu nome,
Traços com os quais não concluo quem toda me consome...
Quantas noite não vivi vendo-o sobre meu peito,
Que lutas presenciaram os lençóis em que me deito...
Papel como cadeia que cerra os assassinos,
Contém porventura o rosto dos meus desatinos...
Lembras o dia em que até minhas mãos chegaste,
Foi o dia da minha primeira morte, dia do desastre...
Ah, se eu abri-lo e tu fores a minha última sentença,
Se fores a verdade dessa minha dor imensa...
Teria você o destino daquela noite mudado?
Conseguiria que eu não visse meu ser enterrado
Junto com o sangue dela agora tornado extinto?
Sabes que não o abro e que a verdade minto...
Papel tímido que umas poucas folhas abraça,
Nelas delicadas mãos colocaram vinho na taça
Com um sabor que tremo todo em ter de conhecer,
Até hoje busco a força para num só gole te beber...
Se esse papel contém o endereço de onde estás no céu,
Peço perdão a todos e mesmo sem culpa me torno réu.
Confesso que esta minha vida não tem mínima razão,
E abandono esta existência de morte atrás dessa união
Carta que talvez no fogo profundo tua voz calasse,
Mas se eu fosse paciente como outro dia que nasce,
Teria te aberto no princípio, logo no dia dessa cilada
E hoje estaria nos braços teus, minha amada...