Canção das Casuarinas
O vento sul chega sempre intempestivo
soprando todas as flautas dos Andes,
excitando o mar, desnorteando os cata-ventos,
despojando os hibiscos da recente floração,
instaurando o caos na imensidão marinha
enquanto as ondas tamborilam sobre a pele da areia.
Estende seu domínio pela praia,
varre, verga, violentando as vielas
com vigilância voraz:
Despeja os ninhos das ramagens,
uiva nas janelas,
arremessa fúria contra as portas
invadindo a insônia e a solidão
de quem guarda território...
O vento sul não poupa sua ira,
grita, enlouquecido nos telhados,
com furor de sonora rebeldia,
investe contra a margem
derramando-se em líquido rumor.
Arrebata o silêncio das pousadas
impondo um torvelinho de sons
à monotonia da aldeia.
Nessas noites de orquestração tempestuosa,
delírio de vocábulos indecifráveis,
o mar ameaça tomar o continente,
o vento sul instaura seu regime
de desordenada sonoridade
com naipes de oboés desconsolados
e clave febril de violoncelos.
Há inquietação territorial nas dunas,
procissão de folhas pelas ruas.
A fragilidade dos telhados
não resiste as investidas
de invisíveis arremessos.
Parece infindável o mandato
opressor da ventania,
a sentença que desfere o vendaval.
Mas, em plena desordem musical,
enquanto uiva o lobo da montanha
e o mar açoita seus tambores pela orla,
enquanto o caos sonoro atormenta a noite
desprovida de estrelas,
as casuarinas se insurgem
em pleno temporal
e exercitam seus violinos
que cantam para ti.