Revê-las
Acreditar que essa mulher um dia fora jovem e criança
Que aconteceu com sua vivacidade fabricada pelo sal?
Quem se apossou da primavera agora tão passada?
Quem a fez serva dos atributos da coca?
Talvez tenham lhe dito demasiadas vezes
Que deveria sucumbir às solicitações do PCC
Ao desenvolvimento de uma suposta vitalidade.
Artificial do capitalismo selvagem à moda de São Paulo
Cidade comando do PSDB
Ela acreditou. Não lhe disseram que a
Fonte da juventude está em confiar que ela existe
Dentro de si. Não parar de buscar
Essa verdade solar de que o espírito é imortal
Não lhe disseram que deveria ser mais
Que uma muleta para seus anciãos da política
Negou seus interesses pertinentes
Provaram-lhe por “A” mais “B”
Que deveria fazer parte de suas rugas
Adubar as raízes negras
Tiraram dela a esperança
Do que não fosse parte elementar de suas pregas
Educada para ser uma boa menina, a bola da vez
Dos interesses mais bregas
A grana e o delírio sendo tudo
A espiritualidade não era mais que uma ilusão
Porque o medo de ficar sozinha, carente e cafona
Fez dela uma devota da timidez afetada
De suas preces, e regras de marafona
Aceitasse calada essa herança
Ela, a filha tolerada, depois das outras
Queridas e amadas
Garantiram-lhe essa “traumatologia"
Cresceram nela as teias de aranha da vida
Tomaram conta de seu coração
O pulsar do fuxico e do boato
Ela aceitou como se fosse uma oração
Seu corpo envelheceu precoce e a mente
Desacreditou que a juventude a habitava
No andar de cima, janela dos fundos
A célula do prazer pereceu antes de ter brotado
E o céu, com o tempo
Virou uma paisagem 100 estrelas
Temeu expor-se ao sol
Ao invés de fonte de luz e calor
Ela passou a viver acreditando
Na suposta sabedoria de seu avô
E os outros, aqueles a quem o medo, e a gravidade
Pegaram-na pela mão e a conduziram à catacumba
Hoje, esse tempo agora, depois
De que valem suas palavras insanas
Que apenas a si mesma encanta?
Cercada pela prole de anjos barrocos
Não mais investe na dureza da bunda
Nem na repressão fanática das crianças
Ou na vaidade das dietas góticas, rotundas
Ou ficar olhando as memórias de costumes
Em busca do tempo perdido, afunda
Seu coração é como o vagalume
Acende, apaga, estressada e calma
Precisa das trevas para brilhar
De tanto achar seus anjinhos bonitos
Nem notou ser agora uma mulher de betume
Armada de defesas até a alma
Como se esperasse de uma hora para outra
Um ataque do Bin-Laden
Uma invasão de mentirass do Bush
Tudo nela tende ao azedume
Ao revê-la hoje lembrei
De suas antigas certezas de cartas
De seus castelos de areia
Que o vento levou e se desfez no nada
Ao impacto dessa onda
(de lágrimas talvez)
Ela não mais é aquela pessoa cheia de certezas
E me implora socorro com seus olhos de mágoa
Que posso fazer por ela?
Estender-lhe a mão e dizer
Como há algumas décadas, tão idas
“Vem comigo”. Ela correu em direção diversa
Arrumou-se sob as asas sombrias do anjo torto
De que falava Drummond
Seus olhos imploravam
Para que a fizesse voltar no tempo
E ela pudesse pegar minha mão
Ter acreditado na Providência
Somente o acaso é pleno de possibilidades.
E a solidão, querida, sua geopolítica
Vestida de branca num horizonte de blues
Aonde a própria morte não é mais
Que um curto-circuito de faísca azul
Mas o abismo a havia ferido
Antes que tivesse nascido
O tempo do aprendizado se esvaiu
O futuro havia se exaurido dentre dedos
Como água de cachoeira
As rezas, as missas, os terços. Lançou tudo
Como um presente na mão do carcereiro.
A família, o marido, a descendência:
O grande nada e o senhor ninguém
Fora obra do azar ou de seu consorte?
O ar que respira zomba dela
Nenhuma mão para acariciá-la
Nenhum gesto de ternura a abraça
Senão a fera da solidão
Nenhuma palavra de verdade
Vestida em seu manto púrpura
Sente que devoraram sua carne
E a entregaram às chamas frias
Ao delírio de ter da multidão
À eterna noite da turba violeta
Antes de dormir, leu no livro
De sua memória, suas lamentações
Jazem por terra, nas ruas
Meninos e meninas idosos
João, Flávio, Pedro, Pitty, Rita e Maria
Caíram sob a espada desse tempo de ira
Cedo demais carente de perfumarias
Havia acreditado em outra coisa
Não sabe ao certo no que era
E agora esses terrores a cercam
Convocados como se num dia de festa
Dos seus, quem poderia ser poupado?
Os que criou e educou
Foram exterminados por uma cultura
Globalizada pela dominação do obsoleto
Afinal, que mulher está preparada para a lida?
Que esposa e mãe conhece o marido e os filhos
Essa descendência pertence a quem? Ao vento?
O pai é o senhor computador, a mãe, a senhora tv
Ela, apenas um nome na areia
Nascida para o pó do esquecimento