MULHER TRANSCENDENTE
Preciso de uma mulher
Que remende o buraco da minha existência.
Que preencha minha futilidade com a biografia de Rembrandt,
Críticas teatrais e teorias da neurociência.
Que futilize minha intelectualidade com vinhetas do cotidiano,
Assertivas sobre o clima e caretas frente ao espelho.
Preciso de uma mulher
Que exploda tons infindos
De verde- esperança e vermelho-paixão,
Em nuanças incontáveis
E incontestáveis de sensibilidade.
Uma mulher
Que desburocratize o meu sentir
Que transforme os espectros da solidão
Em gotas de chocolate ao leite.
Que, na mesma tarde, me condene e me absolva.
Que se esqueça de fazer as unhas
E não use um salto mais alto que a sua intuição.
Preciso de uma mulher
Que me ensine a desinfetar a casa
E alvejar a alma.
E na minha alma lavada acrescente fermento
Para que o pronome não mais caiba na oração.
Uma mulher
Que esteja em condição de rir da nossa condição
E gargalhar da existência de uma condição.
Que se envergonhe menos de falar palavrões
Do que de se esquecer em quem votou.
Uma mulher
Capaz de ler minha saudade numa quase-lágrima
Mesmo quando estou com óculos escuros.
Mulher que me indique a dose de amaciante
Necessária ao meu coração.
Que inverta os ponteiros do relógio
Que reconstitua o hímen do meu olhar
Que não me escute somente com os ouvidos.
Preciso de uma mulher que não existe.
Talvez eu precise mais de mim!