Embevecimento
Embevecimento
Sentir o estonteante brilho de estrelas faiscando na imensidão de teu olhar deveras me encanta. Banho-me, embevecido, em teu rio de riso escandido.
Tateio em sonhos a tua aureolada miragem, fugitiva imagem de mulher que ao mesmo tempo me atormenta e atrai.
Quero ainda fazer-te a poesia mais linda, a descrever com precisão matemática teus movimentos de gueixa, tua postura enigmática que de minha cabeça não sai.
Não a comporei só de palavras; farei com que seja acompanhada do solene canto do sabiá, adornada do perfume de flores do campo, alinhavada com o orvalho mais fluido.
Tua forma de ser tão paradoxal, que tanta espécie me causa, deve ter uma singela explicação: és uma deusa vagando entre os homens, de teu mundo totalmente esquecida.
Amas por anagramas, ages por metáforas, caminhas sempre a jusante do mundo real. Esses teus sonhos, estranhamente expandidos, ultrapassam a tênue fronteira existente entre o Bem e o Mal.
Em outras encarnações, olvidadas nas brumas do Tempo, partilhei de teu leito. Nesta, entoamos esta sinfonia sem jeito, composta de partes divorciadas – ora um allegro majestoso, ora um desastre total.
As nossas conversações, redomas de encantamento, resgatam o que parece irremediavelmente destroçado. Então respiro fundo: acaricio teus cabelos macios, beijo levemente teus olhos, recolho uma lágrima perdida.
És uma perfeita contradição, um complexo tratado de filosofia, dias nublados alternando-se com domingos de sol – dialética a conviver com poesia.
Tuas mãos afagam com ternura o meu braço, a apagar indeléveis traços de angústia, a luz de teu rosto ilumina o canto aonde me escondo, a prometer-me amor sem ressalvas.
Não mais me importo: privei dos momentos mais belos contigo, vivenciamos os sonhos mais loucos, desafiamos ingentes perigos, nos amamos com ardente furor e também com a mais plácida calma.
Sei que tudo isso nos parece tão pouco, que queremos bem mais prá nós dois. No entanto, enternecido eu te conto – amar você é a mais linda poesia que já fiz, um inesquecível aprender de magia.
Inadvertidamente captei o luzir de teu olhar enquanto nos devorávamos, sem nos tocar. Coloquei aquele momento único, em que davas luz a uma estrela dentro de teus olhos, na cápsula dourada de meus sonhos, momento que agora reparto contigo neste desajeitado poema.
Enquanto houver alento de vida em mim, embevecido que sou, em mim você estará.
Cidade dos Sonhos, noite de uma Sexta-Feira silenciosa de meados de Março de 2010
João Bosco