À flor da pele!

O cheiro desta chuva que cai, intermitente, me traz a tua lembrança; lembrança que quero definitivamente apagada.

Nego, veementemente, que um dia te amei. Sou desmentido imediatamente por uma peregrina lágrima, inconsciente lágrima furtiva.

Intermináveis discursos que proclamas não consubstanciam o que mais preciso: o simples gesto de tua presença a eliminar essa tua ausência nociva.

À flor da pele! É como me sinto em verdade, espinhos noturnos a me incomodar – falta-me o sabor de teus beijos prá minha fome ser saciada.

Por mais que eu tente, é impossível arrancar-te de mim: estás indelevelmente tatuada em minha alma, grudada no mais profundo de meu Ser.

Após uma noite mal dormida, decido nunca mais te ver. Impotente, observo o vai-e-vem dos meus olhos a te procurar por todos os cantos.

Meus ouvidos, rebeldes demasiadamente atrevidos, captam todo e qualquer ruído, reproduzindo o som de tua voz; minha boca se põe a rezar prá tudo que é santo.

Outras bocas não me trazem o teu gosto, teu cheiro invade, inapelavelmente, as minhas narinas, a convencer-me de que não vale a pena viver sem você.

Odeio-te! Odeio também a mim, por não me manter protegido nas grades de meus pensamentos, abstraído de tudo que possa me lembrar de nós dois.

Odeio lembrar que me perco em teus braços, que viajo nas naus de teus beijos, enfeitiçado no vórtice da tempestade que nos vem acossar.

Até as pedras, silentes pedras desta estrada sem nome, estão saturadas de escutar as minhas súplicas sem nexo (não mais me deixam falar).

Tomara que esta chuva não pare tão cedo. Que leve em suas águas, nestas últimas chuvas de Verão, toda angústia acumulada em mim, limpando o meu coração para o que virá depois...

Veio-me agora a lembrança da primeira vez em que montei um cavalo, um lindo alazão, na fazenda do meu tio Joãozinho. Ainda pouco habituado às cavalgadas, senti o animal disparar num galope desenfreado. Assustado, grudei no arção da sela, para não ser jogado longe. Só depois de alguns minutos o cavalo relaxou, voltando ao trote normal, permitindo, finalmente, que eu segurasse nas rédeas e o conduzisse de volta para casa. Réplica mais que perfeita para uma mulher entrando em orgasmo, abraçada ao seu parceiro.

Cidade dos sonhos, manhã de uma Segunda-Feira chuvosa de meados de Março de 2010

João Bosco

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 15/03/2010
Reeditado em 14/01/2021
Código do texto: T2139370
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.