Revelação
Revelação
Antes de tua presença o meu mundo era constituído de sombras, assustadoras sombras viscosas.
Na cauda de um cometa incandescente tu chegaste, derretendo a redoma de gelo em volta de mim.
Falas a língua dos pássaros, humanizados pássaros, vigilantes senhores feudais de nosso lúdico jardim.
Um longo beijo sem término cauterizou as feridas de ontem, emudecendo de espanto seculares árvores frondosas.
As águas, cascateando,murmuram teu nome. Silente, prostro-me ao teu lado, reverenciando o suave arco de tua boca.
Prescruto o abismo sem fundo de teus olhos, chispantes olhos marejados, pauta de um tango portenho, trôpega voz sem sentido.
Há permuta de sonhos, espinhosas rotas não mais percorridas; fiandeiras constroem outras grinaldas – substituem antigos véus derruídos.
Há que se fazer outras naus, prevenir naufrágios freqüentes, içarmos, confiantes, nossas velas – pintar em aquarela as nuances desta vida tão louca.
Inábeis que somos, meu amor, deixamos esgarçar nossa alcova, montada, tal qual um ninho, com frágeis gravetos – espólio que hoje reclamo.
Nesta evasiva tarde cinzenta de Verão, tomo de tua mão, cálida e pequena mão que retenho comigo.
Não mais cairemos nesta fatal recidiva: criar expectativas sem lastro. Juntos, seguiremos os nossos antigos rastros - estarei sempre contigo.
Passo a passo, outros momentos de amor serão construídos. Não há necessidade de te falar: este errante pássaro caminhante é testemunha segura do quanto eu te amo.
Quando percebemos que algo está saindo errado em nossas vidas o ideal a fazer é construir novas rotas, assimilando as lições dos erros cometidos e seguir em frente. Tentar reconstruir tecido esgarçado não é producente: equivale a reconstruir um edifício em cima de alicerces comprometidos. O desastre já está anunciado de antemão.
Cidade dos sonhos, noite da última Sexta-Feira de Fevereiro de 2010
João Bosco