FULIGENS

Tem horas que o coração desgarra,

solta da gente feito bicho fujão,

vai embora numa avalanche que nem Deus segura.

Tudo fica zonzo, o mundo perde seu eixo,

as palavras se emaranham numa orgia sem pé nem cabeça,

os desejos despem suas fardas e saem em busca do seu próprio rabo.

Vejo as pessoas passando como fuligens sem mãe nem pai,

vejo os medos que antes dissecavam a alma, agora plenos eunucos,

vejo os sonhos que um dia fizeram minhas preces, agora revirados e

passados a limpo.

De repente tudo fica cinza, pardando as paisagens com furor de marido traído,

de repente, meus olhos começam a perseguir os rastros que foram deixados pelas pegadas que tantas vezes cravei sem pena,

de repente, o que era dor vira pleno gozo, com seus sinos repicando tanto que fazem tremer a Catedral.

E assim vamos nos levando e lavando um ao outro, por dentro, num infusão carinhosa e lenta, como nunca fizemos antes.

Quando tudo se finda, o que restou de nós é o que temos de mais maduro, mais atávico, mais gostoso. Mais nosso, de fato.

E assim, lado a lado, nos abraçamos só esperando que o dia venha parir mais uma lua.

Que será, acredite, a melhor coisa que já fizemos nessa vida.

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