FULIGENS
Tem horas que o coração desgarra,
solta da gente feito bicho fujão,
vai embora numa avalanche que nem Deus segura.
Tudo fica zonzo, o mundo perde seu eixo,
as palavras se emaranham numa orgia sem pé nem cabeça,
os desejos despem suas fardas e saem em busca do seu próprio rabo.
Vejo as pessoas passando como fuligens sem mãe nem pai,
vejo os medos que antes dissecavam a alma, agora plenos eunucos,
vejo os sonhos que um dia fizeram minhas preces, agora revirados e
passados a limpo.
De repente tudo fica cinza, pardando as paisagens com furor de marido traído,
de repente, meus olhos começam a perseguir os rastros que foram deixados pelas pegadas que tantas vezes cravei sem pena,
de repente, o que era dor vira pleno gozo, com seus sinos repicando tanto que fazem tremer a Catedral.
E assim vamos nos levando e lavando um ao outro, por dentro, num infusão carinhosa e lenta, como nunca fizemos antes.
Quando tudo se finda, o que restou de nós é o que temos de mais maduro, mais atávico, mais gostoso. Mais nosso, de fato.
E assim, lado a lado, nos abraçamos só esperando que o dia venha parir mais uma lua.
Que será, acredite, a melhor coisa que já fizemos nessa vida.
Acesse o meu blog www.vidaescrita.zip.net e depois passe suas considerações (agradeço se puder divulgá-lo).