DE QUE É FEITA A SAUDADE

Cheiro de manga madura

sem vento pra ser levado.

Ardor de cachaça nova

deixando a mente pesada.

História de trancoso

acelerando o pulsar.

Cantiga de lavadeiras

escrita á anil e sabão.

Choro de carpideiras

velando um defunto vivo.

Ecos de sete sinos

nas pedras de Ouro Preto.

Fogueira atiçando o frio

deixando a brasa escondida.

Relógio de um só ponteiro

marcando as horas passadas.

Criança triste num parque

olhando o carrossel parado.

Ladeira escorregadia

jogando-me rua abaixo

Um são João sem quadrilha

num sertão desluarado.

Duas cadeiras vazias

paradas a beira mar.

Dois pares de rastros na areia

cada um indo pra um lado.

Um Piado triste de coruja

agourando a madrugada.

Lamparina sem serventia

num canto de uma sala muda.

Gota de chuva indecisa

enamorando a poeira.

Repentista mudo na feira

olhando um cordel em branco.

Maçã do amor sem mordida

esperando a primeira dentada.

É assim composta a saudade

que sinto de minha amada.

Herivaldo Ataíde
Enviado por Herivaldo Ataíde em 13/02/2010
Reeditado em 13/02/2010
Código do texto: T2084792
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