DE QUE É FEITA A SAUDADE
Cheiro de manga madura
sem vento pra ser levado.
Ardor de cachaça nova
deixando a mente pesada.
História de trancoso
acelerando o pulsar.
Cantiga de lavadeiras
escrita á anil e sabão.
Choro de carpideiras
velando um defunto vivo.
Ecos de sete sinos
nas pedras de Ouro Preto.
Fogueira atiçando o frio
deixando a brasa escondida.
Relógio de um só ponteiro
marcando as horas passadas.
Criança triste num parque
olhando o carrossel parado.
Ladeira escorregadia
jogando-me rua abaixo
Um são João sem quadrilha
num sertão desluarado.
Duas cadeiras vazias
paradas a beira mar.
Dois pares de rastros na areia
cada um indo pra um lado.
Um Piado triste de coruja
agourando a madrugada.
Lamparina sem serventia
num canto de uma sala muda.
Gota de chuva indecisa
enamorando a poeira.
Repentista mudo na feira
olhando um cordel em branco.
Maçã do amor sem mordida
esperando a primeira dentada.
É assim composta a saudade
que sinto de minha amada.