Prelúdio
Teu corpo tem cheiro de medo
Recorte de mágoa, de vestido fino
E a maciez do veludo mais puro do mundo,
E a leveza da trama mais linda
Tem o toque avesso aos meus dedos, e os dedos avessos aos passos
O teu corpo escorrega e tropeça nas peças que a mente projeta nos braços
O teu corpo desliza nas meias-paradas do teu rodopio mais triste
E em um balé claudicante e indeciso tu és a melhor bailarina que existe
Entremeia um suingue estranho, teu corpo, e exala um perfume dançado
E acerta em cheio os peitos, as bocas, os leitos e os quartos fechados
É a sinfonia mais breve, mistura de todos os sons
Tem ares de gueixa que os olhos escrevem que gueixas são só do Japão
Tem olhos de ameixa que os ares carregam e espalham no chão castigado
E tão piedosos, pedintes, teus olhos, que os homens carregam nas mãos
Tu tens um sorriso impreciso, arrítmico, esgueiram-se teus dentes nos cantos
Que são dois sufocos, teus lábios concisos e plenos, silentes e sãos
Que são muito loucos, teus casos, retóricas, teus nexos, tantos e tantos!
Que embriagam teu corpo do doce, do néctar, da desilusão dos teus prantos
E as formas mais firmes, nuances profundas, desenhos de um mestre-artesão
Carregam meus olhos, perdidos, sozinhos, com a serena paz do soão
E condenam meu corpo inútil e vadio a seguir, ai, em vão, ai, em vão.