AMADO AMANTE
AMADO AMANTE
Nunca me senti tão insegura,
Preciso de tuas mãos
A abraçar-me a cintura
E de ti dando-me cobertura
À mesa já não tenho tanta fartura
Na cama noites de amargura
Lágrimas de dissabor e temor
Sou controlada, vivo sob censura.
Amado amante, não posso falar
Fui forçada a me calar
Mesmo não tenso sido amordaçada
Vivo tosada, calada, vigiada
Ando pelos becos da comunidade
E nas sombras vejo as marcas
Da maldade cheia de impunidade
Estampada cruelmente nas caras
Destes juízes togados sem concurso
Que adentram nossas vidas
E ceifam os sonhos mais lindos
Transformando-os em grandes feridas
Ao apertar o cano as balas
Saltam esvoaçantes dos cilindros
E perfuram tua frágil armadura
De carne e ossos que tinhas criatura
Difícil ouvir a palavra JUSTIÇA
A verdade nua é que ela distorcida
E praticada por mãos homicidas
Enquanto na teoria vive esquecida
Então AMADO AMANTE
Se soubesse onde é tua sepultura
Cavaria com as próprias mãos
Buscando teu corpo, morta escultura
Destino cruel amar traficante
Mas meu peito não pode ser diferente
Tem os mesmos sentimentos
De todas outras adolescentes
Encontro-te na outra esquina
Pois já sei qual é a minha sina
Os homens vieram avisar
Eu não posso nada falar
Não quero ser morta numa chacina.
(PS: Ao ouvir o depoimento de uma testemunha num processo me solidarizei com sua dor e escrevi esta poesia. A função do poeta muitas vezes é revelar o sentimento social, das pessoas simples que têm uma vida banal, mas seus sentimentos não podem deixar de ser lembrados, pois quem os sente, os sente de forma profunda e humana.)